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Trechos do Livro Evolução e Evangelho de Pietro Ubaldi

O homem começou o seu caminho entre as feras, e não entre os braços do Pai celestial, que estava, então, bem longe de poder revelar-se, como o fez depois, por meio de Cristo, no Evangelho. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A vida se defende a si mesma, em todos os seres que a representam e sobretudo naqueles que constituem seus maiores valores. Se protege os seres inferiores, fornecendo-lhes armas naturais, necessárias para resistir a luta, é impossível não ter de admitir - dada a inteligência que a vida demonstra a cada passo - que ela não forneça meios defensivos aos seres superiores, aos quais justamente por isso, está confiada uma tarefa mais importante para a obtenção de seus fins. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Um evoluído que se exercitasse no jogo do ataque e da defesa não tem sentido, porque é diferente a seleção que se deve fazer nos planos superiores. Então, para um evoluído, fazer semelhante trabalho é perda de tempo, inútil dispêndio de energia, representa uma atividade atrasada e contraproducente. É natural então que a vida, que demonstra ser sábia e econômica, não dirija, com o mecanismo de suas forças, o ser para atividades que, neste caso, o fariam retroceder para planos evolutivos inferiores, e procure ao contrário impeli-lo para os mais adiantados, como supremo fim da evolução, lei fundamental da vida. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A vida deve ser trabalho produtivo para todos. Por isso, só pode subtrair-se a um trabalho, quem está realizando outro. Aquele: "todo o resto vos será dado por acréscimo", que o Evangelho promete a quem procurar primeiro o reino de Deus e Sua justiça, presume que primeiro tenha sido feito este trabalho que justificará o "a mais", trabalho sem o qual aquele "a mais" não chega. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Cristo quer levar-nos aos mais modernos conceitos, que o mundo está começando a compreender: o de conservação do direito de propriedade, mas abrindo sempre mais espaço aos deveres inerentes à obrigação de realizar sua função social. O Evangelho dirige-se contra os ricos, e não contra os bens em si mesmos, que também são obra de Deus, para que sejam colocados a serviço da vida. (...)O Evangelho nos quer pobres de espírito, desprendidos, homens que aprendam a possuir com outro espírito, totalmente diverso do que é próprio ao tipo biológico comum humano, espírito que pode permanecer intacto em qualquer regime econômico.(P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A presença do dinheiro numa obra, mesmo que seja indispensável, tende por sua natureza - se não for corrigida e disciplinada - a levar-nos pelo caminho dos enganos, num terreno mal seguro de areias movediças, prontas a tudo engolir. É bom estarmos prevenidos de tudo isto, e tratarmos o dinheiro com as devidas cautelas, com certas desconfianças, não lhe dando valor maior do que ele merece, tendo em conta que em última análise, a causa primeira do êxito não está nos meios materiais, mas nas forças espirituais que os movimentam. (...)Por isso, o dinheiro pode ser perigoso, e isto pelos sentimentos negativos e desagregantes que atrai e traz consigo, introduzindo-os na obra. Por isso, quando é necessário recorrer a ele, é preciso usa-lo como são usados os venenos nas farmácias. Eles são úteis e às vezes até indispensáveis na medicina, mas ficam bem fechados em seus recipientes, com uma etiqueta por fora que diz: "veneno" para avisar do perigo. (...)O perigo não reside no uso do dinheiro, mas no querer-nos basear exclusivamente nele. Qual a obra que se pode construir sobre o fundamento que nos oferece a psicologia do dinheiro? Logo que se lhe espalha o cheiro no ar, qual é o tipo de homem que imediatamente chega correndo? Certamente não é o homem trabalhador, honesto, sincero desinteressado, que é o elemento mais adequado para construir, mas o que procura acima de tudo, realizar seus negócios, apto a construir para si, destruindo, porém, para os outros. (...)Quem procura, em primeiro lugar, acumular dinheiro, acaba ficando cercado por essas forças negativas, ansiosas por destruir tudo. Assim o dinheiro pode transformar-se de auxílio em obstáculo. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

O homem inteligentemente utilitário não se deixa enganar pela miragens que a avidez lhe oferece e, nas quais os simples acreditam e caem, mas, para construir solidamente, leva em conta também o fator psicológico e espiritual. Quem realmente quer atingir a vitória e um êxito real, deve possuir essa esperteza superior a todas as outras, que é da honestidade e do desinteresse. (...)Então, faz parte da sabedoria do engenheiro construtor de qualquer obra - ao fazer o projeto - colocar cada coisa em seu lugar, prevendo o que se possa aproveitar. Esse engenheiro precisa conhecer e calcular o poder de resistência do dinheiro, e o peso que pode suportar; deve apoiar o outro peso em bases psicológicas e espirituais, que possam suportar sua parte. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

O que o homem deve aprender primeiro não é a espiritualidade, mas a libertação da materialidade; não é tornar-se anjo, mas deixar de ser animal. A espiritualidade verdadeira só poderá chegar depois que se tenha varrido o terreno dos instintos inferiores da animalidade. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

É mais fácil transformar uma montanha, fazendo-a ir pelos ares com a dinamite, do que transformar um tipo de personalidade. A animalidade está bem assente com os quatro pés, no terreno sólido da matéria, no qual se apoia há milhões de anos. Ela só conhece esse, e só nele confia. É lógico que desconfie e se rebele contra quem quisesse de um golpe fazê-la voar pelos céus. Na ordem universal, nada ocorre por acaso, nada é inútil, tudo está em seu lugar justo. Se a animalidade existe, ela é involuída, atrasada, mas não está fora da ordem universal. Ela realizou suas importantes funções evolutivas e tem suas razões de existir. O primeiro dever do pensador moralista que quer fazê-la progredir, é compreendê-la, para sabê-la dobrar e plasmar, sem quebrá-la, como pode acontecer quando se usa o Evangelho, com espírito agressivo do involuído, para domar com a força. Assim, nenhuma moral é tão contraproducente - mesmo se usada por sua fácil atuação - quando a moral estandardizada, pela qual todos devem entrar nas mesmas medidas e todos têm de ter o mesmo comprimento no mesmo leito. Eles são esticados, então, até aquele comprimento, se forem menores, ou lhes é cortado um pedaço, se forem maiores. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Logo que se forma uma célula de tipo superior, mais avançado, ela procura consolidar-se como tipo biológico e tornar-se centro de atração das outras células do mesmo tipo que se vão formando. Estas, por sua vez, se sentem atraídas e se arrumam ao redor daquela primeira célula, até que possa firmar-se e fixar-se a vida num plano evolutivo mais alto, na forma do novo biótipo do evoluído. É assim que, por lentas maturações, consegue fixar-se na terra o Evangelho. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Mas não há como contestar que a evolução é fenômeno inegável, reconhecido por todos. Já agora não mais se pode admitir que a evolução continue sendo compreendida como desenvolvimento de órgãos, como queriam Darwin e Haekel, mas como desenvolvimento nervoso, psíquico e espiritual. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Teremos já pensado quantas dezenas ou centenas de milênios são frutos os instintos atuais? E houve mister adquiri-los para sobreviver, porque só vivia quem os possuísse. Eles constituem nosso sangue, fazem parte de nossa carne. A luta pela vida pode ter selecionado o mais forte, mas em redor do vencedor quantas ruínas, contorções, revoltas, naqueles que tiveram que adaptar-se a viver como vencidos! Todas as prepotências que os fracos tiveram que engolir à força, estão prontas a regurgitar à procura de uma desforra que lhes dê satisfação. Todas as experiências vividas permanecem escritas em nossa carne e reclamam compensação. Os delinqüentes natos são tais porque querem ser maus, ou porque se tornaram assim pela reação ao esmagamento dos fortes? A humanidade viveu até agora de delitos. E isto não pode cancelar-se com um golpe. Cada causa deve ter seu efeito. (...) Explicam-se assim, mesmo que não se justifiquem, os extermínios da revolução francesa e a revolta de tantas revoluções. E o mundo continua a cometer injustiças, julgando que lhe baste a força para fazer calar e anular as reações. E, no momento parece que isso seja verdade. Mas o fogo viceja sob as cinzas. E no entanto formam-se rancores profundos, ódios seculares de nações, de raças, de classes sociais, ódios que permanecem escondidos nas vísceras da vida, tal como um homem pode trazer, imersa nas profundidades de sua carne, uma série de vírus, durante anos, até que um dia, tanto a doença quanto a vingança da revolta explodem, e tudo vem a luz. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A justiça do mundo atual se apoia em compromissos, em que os impulsos contrários encontraram um equilíbrio temporário, cada um permanecendo sempre pronto a explodir contra o outro, tão logo a pressão deste se relaxe. Isto em todas as posições sociais em que haja alguém que mande e alguém que deva obedecer-lhe. Como pode o Evangelho enxertar-se de um golpe neste sistema de forças, para desvia-lo, a curto prazo, de suas primeiras aproximações da justiça até um nível em que esta é definitiva e completa? Quando, no estado atual, o Evangelho intervém entre um patrão armado de força e um dependente armado de revolta, ensinando que a ambos convém muito mais colaborar pela compreensão, logo acontece que uma das partes relaxa a pressão contra a parte oposta, esta lhe salta ao pescoço para apoderar-se de todo o campo que, antes, só o equilíbrio entre as duas prepotências opostas mantinha dividido, cabendo um bocado a cada parte. . (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Ninguém está mais defendido, embora desarmado, do que o justo, e precisamente porque é justo. . (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Nós mesmos somos feitos desta luta contínua entre a vida e a morte, que disputam o campo. O princípio egocêntrico separatista (limitada vida individual) representa o estado de contração desta; o princípio orgânico unitário (ilimitada vida universal) representa seu estado de expansão. Ao evoluir o homem passa de um princípio ao outro. . (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A expansão do princípio egocêntrico, como acontece no imperialismo, tem funções criadoras, mas muito mais pelos povos que são absorvidos e assim civilizados, do que para o dominador, que realizada sua função acaba perdendo tudo. Por mais que na guerra se queira ver o heroísmo, aí existe a morte, e embora nela se sonhe a conquista, há nela a destruição. O que um perde, quem quer que seja, representa uma perda para todos; a derrota do vencido é também a derrota do vencedor. (...) E assim o homem cai sempre no mesmo erro: para expandir-se na vida, ele se contrai, para trás, na morte; por querer enriquecer, empobrece; por querer construir, destrói. . (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

E então como consegue a vida fazer-nos evoluir? De que meios dispõe ela, para realizar esse seu objetivo fundamental? Ninguém mais do que o homem quer viver e conquistar a vida. Mas o faz sem conhecimento e sem juízo, muitas vezes às avessas, conseguindo resultados opostos. Pode então, a vida ficar desiludida, em sua primeira necessidade, que é a de evoluir? Mas eis que aparece um elemento de funcionamento automático. Ao procurar ascender, o homem tenta caminhos diversos, ao acaso, erra a estrada, muitas vezes os instintos do passado o arrastam para trás e a conclusão é a descida. Acontece, então, um fato inevitável, ou seja, que quanto mais baixo se desce, tanto mais dor se encontra. Ela aperta o homem em sua compressão. A dor queima, sufoca, comprime a vida que não quer morrer, e que portanto reage. Eis então que a evolução, quando não funciona o instinto da subida, firma-se nessas reações para ascender. Quando não é suficiente a atração para o alto, entra em ação a repulsão contra o baixo. . (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

As atitudes que o indivíduo assume diante das dificuldades variam para cada pessoa. Mas o ressentir-se diante da dor produz um efeito mais ou menos comum a todos, o que é de pôr a nu e revelar a verdadeira natureza do indivíduo. Ele é reconhecido pelo seu tipo de reação, porque parece que, colocado diante das mais profundas realidades da vida como a dor e a morte, o ser não sabe mais mentir. Ora, o que dirige a reação e lhe define a forma, é a natureza do biótipo. É lógico que a reação não pode criar um ser novo, mas apenas mostrar-nos quem é ele verdadeiramente, na hora em que vê constrangido a usar todos seus recursos, a qualquer custo. É lógico que o ponto de partida do novo passo adiante não pode ser dado, senão como valor e qualidade, a partir da posição precedente do ser. Teremos assim uma reação e um esforço proporcionados a essa posição. Assim, o biótipo inferior reagirá como inferior, o mais evoluído, como evoluído, de forma mais elevada. Assim, diante de uma dor desesperada, quem não possui nenhum recurso nem no bem, nem no mal, se abandonará nas tenazes da correnteza até a morte, aprendendo o pouco que pode da lição. Quem tem tendência à mentira e ao mal, reage com a traição e o crime, vingando-se do próximo e involuindo cada vez mais para baixo, porque é baixa a natureza do indivíduo. Quem é violento e não está habituado ao controle, pode reagir com o suicídio. Quem possui tendência para os gozos inferiores, reagirá com excessos e vícios procurando esquecer naquelas efêmeras alegrias em que ele acredita, as próprias dores. Mas existem também os que reagem com a santidade, com o amor operante para o bem do próximo. Esta é a reação dos fortes e dos grandes. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Diante de que elementos se achou o Cristianismo, desde o seu primeiro aparecimento e, em grande parte, se acha ainda? Uma religião não se apoia em pequenos grupos de eleitos, mas nas grandes massas dos fiéis; não deve tratar com poucos escolhidos de exceção, mas com o tipo biológico comum, que já vimos o que é. Multiplicando esse tipo pela massa imensa das multidões que formam as religiões, poderemos perceber o peso que, em todas manifestações da vida, poderão exercer os instintos dessas multidões. Ora, é um fato positivo que o cristianismo nascente se encontrou diante de uma forma mental primitiva dominante, a materialista, mais capaz de perceber a forma do que a substância; uma forma mental involuída, que não sabe aceitar livremente por convicção, mas tal como ocorre no plano animal, só obedece por temor; uma forma mental que não tem conhecimento além dos limites da luta pela vida, e que, portanto, é absolutamente incapaz de poder autoguiar-se no terreno das coisas espirituais. Ora, tratar um primitivo como homem civilizado, é um erro que logo aparece nas suas conseqüências tristes. Não podem dar-se pérolas aos porcos; não se pode dar alimento espiritual puro, sem revestimento de formas, a quem apenas sabe conceber coisas materiais; não se pode dar liberdade a quem está habituado a funcionar apenas debaixo do aguilhão do mando; não se pode dar direito de autodecisão a quem não possui nenhum conhecimento para dirigir-se. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Assim, imposto pela exigências do ambiente humano e gerado pelo instinto da luta na seleção do mais forte, nasceu o princípio de autoridade no cristianismo, como nasce em qualquer agrupamento humano. Assim como Cristo teve de tomar um corpo físico quando quis descer à terra, assim o Evangelho teve de aceitar os métodos e as leis do mundo, quando quis nele realizar-se. Esse sistema está em vigor até hoje. Alguns mais amadurecidos sentem que deveria ser diversamente, e se acham constrangidos dentro de uma disciplina que só admite a posição do crente que aceita em obediência. Mas eles são apenas uma exígua minoria, e as minorias nunca têm razão. A Igreja não pode ocupar-se deles, mas apenas da massa, que é bem diferente. Para os favorecer, seria mister abrir as portas a uma liberdade para a qual os outros não estão de maneira nenhuma maduros, estando prontos a fazer péssimo uso dela. Assim, - tal como ocorre no divórcio, mesmo que em alguns casos seja útil - não é solução ideal. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Poderemos escandalizar-nos como fato de que a Igreja dá prova de não acreditar no amadurecimento espiritual de seus filhos. Mas como acreditar nele, se esse amadurecimento não existe, de fato, na maioria? Se a humanidade estivesse verdadeiramente amadurecida, não haveria necessidade de autoridade, de coações, de sanções, em campo algum, nem mesmo no social. Ora, existe algum estado que não tenha exército e polícia, alguma lei que não prescreva penalidade ao seu não-cumprimento? Não é esta a forma mental dominante? E como poderiam as religiões abrirem uma exceção, como se operassem num mundo diferente? E como dizer toda a verdade a um tal tipo de homem, pronto a reduzir tudo em função de seus instintos e interesses materiais? O próprio Cristo não pôde dizer tudo às multidões. Assim, a verdade esotérica, plena e completa, só pode ser patrimônio de pequena parte da humanidade, ao passo que apenas a parte exotérica, limitada e pública, pode ser dada em alimento a todos. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Como a capacidade criadora de um chefe é medida pela capacidade de correspondência de seus súditos, assim também o que constitui o campo de ação de uma religião é o grau de compreensão e o nível de evolução de seus prosélitos. Como pretender que compreendam, aqueles que não sabem pensar? Explicar tudo, então, significa gerar dúvidas sem fim e uma confusão geral. Eis a necessidade da fé. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Mesmo para ser herege são indispensáveis certa inteligência e interesse pelos problemas que estão além da materialidade da vida. Mas à grande maioria só importam, ao invés, os que estão próximos e são tangíveis. Daí se conclui que a perfeita ortodoxia pode ser efeito não de uma fé mais viva, mas da falta de interesse, conseqüência implícita do estado mental que explicamos, o materialismo religioso. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Os reformadores serão úteis, sem dúvida, para fazer progredir o pensamento humano, mas o que mais interessa aos organismos constituídos é, sobretudo, conservar a ordem em que eles se fundamentam, e não procurar novas idéias que a perturbem. Então, o tipo de pesquisador que não pensa com a cabeça dos chefes mas quer pensar com a própria, que não crê cegamente mas quer antes compreender e discutir, e com isto ameaça tornar-se um inovador, é olhado com suspeita, como um perigo para a integridade da doutrina, como um rebelde, o mais difícil de todos a ser enquadrado na ortodoxia. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Aqui não se combate nem se condena nenhum grupo humano em particular: prefere-se observar o que o homem costuma fazer. Verifica-se que tudo permanece o mesmo, pois o homem em geral faz as mesmas coisas em todos os grupos. É inútil, portanto, escandalizar-se do que se faz nas casas alheias, quando os mesmos homens fazem, em todas as casas, mais ou menos as mesmas coisas. Nem se justifica que se culpe uma instituição por ter feito no passado o que, na época, era tão normal que todos fizessem, exigindo-se que um grupo de homens tivesse atingido, isoladamente, um grau de evolução mais adiantado do que o atingido pela vida no planeta, o que é absurdo e impossível. (...)É fácil criticar, e são criticadas todas as formas de governo, inclusive no terreno religioso. Mas o que constitui a bondade de um governo é a bondade do homem ou dos homens que o compõem, e não a sua forma. Mas na terra faz-se muita questão da forma. De que serve, porém, usar uma ou outra, quando os homens continuam a fazer as mesmas coisas, apenas de forma diferente? Se o chefe fosse bom e inteligente, a melhor forma de governo seria o absoluto. Mas logo que o possa, parece que o homem tende imediatamente a transformar-se em tirano. Provam-no os sistemas representativos, em que se sentiu a necessidade de corrigir os possíveis abusos de um só, mediante o controle de muitos. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A perfeição para o homem é um estado a ser atingido no futuro, e não uma condição já atingida no passado. Toda a massa humana está sujeita ao mesmo processo de evolução, e a maioria está agrupada em redor de certo nível desta, do qual está procurando lentamente subir para outro mais alto. Imensos e penosos movimentos biológicos que comprometem todos aspectos da vida humana em nosso planeta. Dentro dessa massa enorme, só pouquíssimos indivíduos se diferenciam, rara exceção que não pode pesar nos movimentos da vida. Governantes e governados, juizes e julgados, senhores e servos, acusadores e acusados, todos pertencem mais ou menos ao mesmo grau de evolução que, para todos, se vai deslocando com o tempo. Dessa maneira, julgando os outros, nós julgamo-nos a nós mesmos, e condenando os erros e a ferocidade do passado, condenamos nossos erros e nossa ferocidade do passado. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Tudo evolui e nem sequer as religiões podem parar. Assim o Cristianismo, emergindo do plano da força (religião mosaica do Deus rei dos exércitos, egoísta e vingativo) tornou-se religião da bondade e do Amor (Evangelho universal), para tornar-se mais tarde religião da inteligência e da liberdade. (Cristianismo do futuro, em que os mistérios serão demonstrados, baseado não mais no medo das sanções, mas na livre adesão de quem compreendeu que a vantagem é obedecer). (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Dadas as condições do ambiente e um conjunto de fatos históricos, o Evangelho teve que permanecer, em grande parte, apenas como uma teoria. O primeiro impulso de Cristo teve de ser substituído, mediante adaptações sucessivas, por outro impulso totalmente humano, imposto pelas necessidades do contingente, pelo qual o princípio de autoridade e disciplina deteve a explosão do Amor evangélico. Por isso não foi possível a emersão imediata, e todos ficaram no nível de todos. Nas lutas entre os dois princípios opostos, a necessidade prática de julgar e condenar levou vantagem sobre a necessidade ideal, que era de compreender e perdoar. (...)Somos livres ao colocar as premissas, mas depois ficamos inexoravelmente ligados a elas. Assim salvou-se a unidade e a integridade, mas estabeleceu-se uma insanável cisão entre bons e maus, entre julgadores e julgados, entre quem condena e quem é condenado. (...) Foi assim que a psicologia do plano humano, aquela que o Evangelho queria refazer, se aninhou no centro da Igreja. Foi aceita como que fixada na instituição a figura do malvado; foi reconhecido o mal como potência rival que ameaça a de Deus. Assim, por instinto de conservação num estado de integridade e pureza, o preceito evangélico que tende à aproximação do malvado para acabar em sua redenção e salvação, se inverteu num afastamento dele, para acabar na sua perdição eterna no inferno. Com o sistema do juiz e do castigo, uma classe social dominante poderá defender seus interesses e a sociedade afastar os elementos que a perturbam. (...)Ficamos presos dentro de uma lógica desapiedada, que não nos permite saídas, detendo-nos no meio, mas que nos constrange a percorrê-la até o fim. E a conclusão é que, com o inferno e o paraíso, bons e maus se separam definitivamente, para sempre. Assim, a cisão triunfa, em lugar da união, e recebe sua eterna confirmação. Desta forma, Deus coloca sua assinatura na sua falência. O poder do mal permanece de pé, para demonstrá-lo. Restará sempre uma parte do universo em que Deus foi derrotado, em que reina Seu inimigo, em que venceu e impera o ódio, em lugar do Amor. O inferno eterno representa a vitória dos métodos do mundo, baseados na punição, sobre os métodos do céu, baseados no Amor. (...)Mas a evolução não pode deixar de impor o árduo esforço, necessário para a salvação, de se voltar ao Evangelho, ou seja, aos métodos do Amor e do céu ao invés dos métodos das condenações e da terra. O homem não pode deter o caminho do Evangelho. Se esse caminho de regresso a ele não for escolhido por obra de inteligência ou aceito espontaneamente das mãos da história, será ele imposto pelos próximos cataclismos sociais, encarregados de purificar o ambiente das escórias do passado. Reconhecer-se-á, que o fato de ter seguido o caminho do mundo foi aceito apenas como condição transitória, imposta pelo grau de involução do elemento humano, com o qual era preciso trabalhar. Com sua forma mental o homem só teria respondido aos terrores do inferno, em que agora ninguém crê e que não são úteis a evolução; devendo, portanto, ser abandonados como expediente psicológico superado. Assim, sem tumultos, o terrorismo todo medieval do inferno será alijado da vida que avança, e abandonado aos museus da história como coisa desnecessária. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A pretensão do homem de atingir a verdade com os próprios meios, pelos resultados obtidos com as descobertas científicas, autorizou-o a desinteressar-se da verdade transcendente revelada, que parece, já secou há séculos, não dando mais novos frutos. A vida, que não pode morrer, parece ter-se transferido para outra árvore. O homem tem fé em outras coisas. Quem se entrincheira no definido e no definitivo, permanece aí congelado e abandonado ao passado da vida que caminha. A lógica do imóvel absoluto foi substituída pela do relativismo em movimento. Na crise profunda que sacode e renova os alicerces do velho pensamento humano, não pode deixar de ser arrastadas também as religiões. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Quando a inteligência da história permite que as forças do mal tomem um desenvolvimento excepcionalmente agressivo, isto significa que a evolução para poder avançar, precisa do seu trabalho de destruição para limpar o terreno de todas as construções velhas e erradas. Essas forças, especializadas nesse trabalho a serviço do bem demonstram-se bem hábeis em descobrir o ponto fraco, o que mais atrai o seu instinto de destruição, assim como os micróbios das doenças agridem de preferência no ponto mais fraco os organismos macilentos. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Se a Igreja não tivesse pactuado com o mundo e não tivesse aceito o seu poder terreno, hoje o comunismo nada teria de dizer nem de atacar, porque a justiça social já teria sido realizada. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

O mundo admite apenas os próprios meios, únicos nos quais acredita. Maquiavel leva até às suas últimas e mais sutis conseqüências esse método. O cristão que segue o Evangelho, deveria colocar-se nos antípodas e seguir o método oposto: "Procurai sobretudo o reino de Deus e Sua justiça e todo o resto vos será dado por acréscimo". A conclusão a que não se pode fugir, é que a Igreja e o cristão, se quiserem ser coerentes, observando os princípios fundamentais de seu código, devem ser irredutívelmente antimaquiavélicos, afastando de si, como diabólico, um método de vida que representa a quintessência destilada da patifaria do mundo. (...)Mas o maquiavelismo louva com palavras o sistema evangélico, para seguir, nos fatos, sem declara-lo, o sistema do mundo. E é assim que, com o maquiavelismo, o método do mundo consegue, sob falsas aparências, escorregar dentro do campo oposto que, pouco a pouco, por pequenas e gradativas concessões, se acha, quase sem percebê-lo, - engodado pelas vantagens imediatas, e justificando-as pela sua finalidade de bem, - adotando o método do inimigo. Foi dessa forma que o maquiavelismo pôde entrar na Igreja. (...)Mas repetimos: quando se entra na lógica de um sistema, fica-se preso a ele até ao fundo. Sem dúvida não se poderia pretender que os homens formadores da Igreja nos séculos passados, fossem tão clarividentes que previssem conseqüências tão distantes, nem mesmos que fossem santos, capazes do heroísmo necessário para viver o Evangelho. Mas permanece o fato: as conseqüências são inevitáveis; preparam-se grandes choques dolorosos mas purificadores, e não é nesta sua forma atual que a Igreja poderá sobreviver. O problema atual não é buscar culpados para condenar, mas salvar o que pode ser salvo. Se no fim conseguirem fazer marcha-à-ré com o regresso ao Evangelho, então tratar-se-á apenas de um parênteses de adaptação, talvez necessário ao longo do caminho ascensional do Evangelho. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Com o princípio que os fim justifica os meios, pode-se chegar ao uso da violência para estabelecer a paz, da astucia para defender a verdade, dos expedientes humanos para fazer descer à terra o divino. Podemos assim medir todas as gradações do progressivo emborcamento do Evangelho nos métodos do mundo. É um lento e inadvertido corromper-se, mas que só pode acabar revelando-se numa crise. A contaminação é sutil; o mal permanece sempre escondido como indevassável vírus no fundo dos tecidos orgânicos; não se sabe até que ponto se cedeu e até que ponto se resistiu; não se sabe onde se está doente e onde se está são; se somos maquiavélicos ou antimaquiavélicos, tanto mais que uma das normas do maquiavelismo é a de não parecer seguidores dessa escola e de declarar-se antimaquiavélicos. Assim se passa da tolerância à acomodação, depois à astúcia, a seguir à mentira e, uma vez aceito o método de lançar as redes, nelas mesmo se fica preso. Não se sabe mais se o mal que se pratica é ou não uma vitória do bem; se é justo ou não favorecer injustiças necessárias, perdidas no particular e justificadas pela vitória de uma justiça maior. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

O fato é que tanto o Evangelho como o mundo tem cada um a sua lógica. São tão opostas que resultam inconciliáveis. Quem tentar fundir as duas lógicas, achar-se-á como quem quisesse colocar-se entre dois campos inimigos, recebendo os golpes dos dois lados, sem possuir para defesa própria, nem as armas de um lado nem as do outro. O Evangelho explicou bem claramente que não se pode servir a dois senhores. O que quer dizer que é preciso decidir-se, na escolha, entre duas lógicas, rumando por um caminho certo para seguí-lo até o fim. Parar no meio do caminho, procurar a solução nas escapatórias por atalhos ou estradas laterais, engolfar-se nas vias da sutilezas e das discriminações, abandonando a estrada reta, tudo isto acaba lançando-nos no caos em que, à força de querer distinguir sutilmente entre honesto e desonesto, uma só coisa se sabe com segurança: que não se é de maneira nenhuma honesto. Chega-se, então, a uma moral em que, à força de destilações filosóficas, se pode ir aonde se quiser, e a lógica férrea de um sistema se reduz a uma opinião, sobre a qual sempre pode discutir-se. Eis que o mutável e o relativo do mundo assumem a supremacia sobre aquela que se proclama verdade revelada, absoluta. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A astúcia do jogo duplo é a mais perigosa e enganadora das astúcias. E de tal forma complica a defesa que, a certo ponto, se torna impossível. Nascem então uma moral e uma conduta divididas do dualismo entre o que se pode, e o que não se pode declarar; entre as normas de domínio público e as secretas; entre o explícito e o implícito. Uma discussão franca, visando ao entendimento torna-se impossível, pelo fato de que uma parte da verdade será sempre calada e subentendida. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Podemos assim penetrar o significado íntimo do fenômeno da evolução, ou seja, o de ser um processo de reconstrução de um sistema destruído. Impõe-nos este fato conseqüências importantes. Com efeito, o modelo a reconstruir pré-existe ao processo evolutivo e estabelece a sua meta que constitui justamente o telefinalismo. Esse modelo já existe e, se o atual estágio de evolução ainda está distante, ela já possui um objetivo determinado, que deverá atingir ao identificar-se com o modelo. As fases sucessivas do progredir e aperfeiçoar-se da vida são gradativas aproximações a esse estado final. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Eis então que a evolução se nos revela em seus mais profundos significados, como um fenômeno não casual e isolado, mas como um processo fundamental, enquadrado na ordem universal, como parte integrante do sistema, em função do objetivo supremo desta; um fenômeno guiado por uma inteligência e poder que o disciplinam, determinado por Deus e sujeito à Sua lei, que permaneceu de pé mesmo depois da queda, para dirigir e salvar tudo. Os primeiros biólogos que descobriram a evolução nem sequer sonhavam com tudo isto. O conceito de telefinalismo está implícito nesta concepção. Ainda que o particular seja deixado ao livre-arbítrio individual, à mercê das tentativas e do erro, em suas grandes linhas o fenômeno da evolução é fatal e amarrado a um caminho próprio preestabelecido. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Já está, portanto, estabelecida a forma que deverá assumir no futuro a evolução humana, ou seja, que ela só pode consistir no espiritualizar-se. Seu profundo trabalho criador faz-se no terreno das causas primeiras, que está no íntimo do ser, mesmo que se trate, como no passado, de construções morfológicas, que explicamos como produto ideoplástico. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A hora está madura, porque o mundo de hoje está espiritualmente em diluição, como, no tempo do imperador Constantino estava o mundo romano, e de suas ruínas nascia o Cristianismo. Repitamo-lo para o Evangelho: "In hoc signo vinces", para que do desfazimento do mundo de hoje nasça o novo cristianismo do Evangelho. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A física se baseia hoje em resultados gerais de massa, segundo os quais, de uma desordem básica pode derivar, todavia, uma ordem de conjunto, que nos revela a escala normal de observação, obtida com os meios de nossos sentidos limitados. E é assim que, no grande número, desaparecem as irregularidades individuais numa regularidade coletiva de conjunto, nas quais se fundamentam as leis vistas pela física clássica. Mas eis que a ciência admite hoje para a matéria, leis que se baseiam no acaso e na desordem. Mesmo que depois haja compensação, para revelar as características dominantes de massa, é um fato que, na dimensão submicroscópica da escala de observação, se verifica a irregularidade de inumeráveis liberdades individuais. Ora, em nosso grande mundo vemos as formas de existências escalonadas segundo vários planos de desenvolvimento, unidas por um contínuo transformismo no mesmo caminho traçado pelo processo evolutivo que estabelece sua parentela e lhe mantém a unidade. Assim, partindo do mundo inorgânico da matéria, através do dinâmico da energia, chega-se ao mundo orgânico da vida, vegetal e animal, no cume da qual desponta o homem, o mundo imaterial das idéias e do espírito. Cada um desses mundos se transforma, evoluindo, por imperceptíveis gradações, infiltrando-se no seguinte. Achamo-nos como que diante da construção de um grande edifício, cujas qualidades e complexidade de estrutura revelam uma sabedoria que aumenta em cada plano. Se a evolução fosse um processo isolado, abandonado a si mesmo, sem grandes bastidores de forças e inteligência que a guiam, não se poderia explicar como da pedra se chegaria ao gênio. E que o pensamento faça parte de nosso universo, tanto quanto a matéria e a energia, é um fato que não se pode negar e que a ciência não pode deixar de reconhecer cada dia mais. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Matéria e energia sozinhas não são suficientes para explicar a derivação da vida, pois não possuem diante desta poder de causa determinante. O complexo não pode ser gerado pelo simples, nem o mais pelo menos. Onde estão as causas determinantes de maravilhoso florescimento produzido pela evolução? Olhando desde da matéria inorgânica até ao homem que pensa, podemos compreender o tremendo trabalho criador que a evolução deu provas de saber realizar. (...)Agora perguntamos: como pode de um mundo dirigido pelo acaso, derivar, sem a intervenção de qualquer outro fator, o mundo biológico em que uma série imensa de fatores aparece não só disciplinada segundo um funcionamento próprio, bem diferente do estado orgânico, mas orientada segundo um transformismo que arrasta tudo na direção evolutiva, capaz de levar a vida da primeira célula até a complexidade do organismo humano, no qual o cérebro atua em ordem ainda mais complexa, a do mundo psíquico e espiritual? As causas desses efeitos não as achamos na matéria. Ela é insuficiente para determiná-los. Onde estão, pois, essas causas? Como pode, de um sistema constituído por movimentos livres dos indivíduos componentes, baseados em leis estatísticas ou de probabilidades, desenvolver-se aquele maravilhoso edifício biológico, em que vemos, no fim, aparecer o pensamento e o espírito? Dado o ponto de partida estatisticamente falando, o fenômeno do surgir da vida é estranhamente improvável, e seu desenvolvimento até ao homem é inexplicável. Usando o cálculo das probabilidades pode demonstrar-se matematicamente a impossibilidade de explicar, apenas com o acaso, o aparecimento espontâneo da vida na terra. As primeiras células não podiam nascer de uma desordem caótica por uma combinação fortuita de elementos atômicos, mesmo que, dispondo de um tempo ilimitado, fosse possível teoricamente qualquer combinação. Antes de tudo, para a terra, há limites de tempo, imensamente inferior ao necessário para que tal combinação tenha podido verificar-se em larga escala. Além disso, as propriedades da célula implicam, não uma simples combinação de elementos, mas pressupõe uma coordenação de complexidade que jamais poderá resultar do acaso, mas apenas de uma direção inteligente. Sem dúvida foi utilizada matéria prima menos evoluída. Mas não significa absolutamente que isto seja a causa do fenômeno. Devemos admitir, ao invés, que a vida não é uma criação da matéria, mas apenas uma manifestação e revelação através da matéria. Igualmente temos de aceitar que o espírito não é uma criação da vida, mas somente uma manifestação e revelação através dela. É inevitável, então, concluir admitindo que o mundo biológico não é o produto gerado pelo mundo físico e dinâmico; que o mundo psíquico e espiritual não é um efeito determinado pelo mundo biológico, mas que todos eles são a expressão de um princípio superior que utiliza as construções precedentes para delas realizar outras cada vez mais complexas e perfeitas coordenando seus elementos em combinações cada vez mais sábias. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Passando ao evoluir, do plano físico ao dinâmico, ao biológico, ao psíquico e espiritual, assistimos em cada degrau, a uma inovação radical, como se fora uma revolução em que se manifestam efeitos que as causas existentes nos planos inferiores não contêm e não explicam. A cada salto para a frente nasce um mundo novo, dirigido por novos princípios, que são mais que simples conseqüência dos precedentes. Nada se destrói, o velho continua existir no novo, mas apenas em posição subordinada, como meio e suporte de algo que ele não conhece. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

O plano da vida e do pensamento constituem um mundo físico e energeticamente de grandeza desprezível, diante daquela grandeza imensa dos astros e planetas, e da quantidade e potência das energias cósmicas. Trata-se de um mundo quantitativamente menor, mas qualitativamente superior. A que causa atribuir essa superação qualitativa? Não, de certo, aos planos inferiores, dos quais é, justamente uma superação. Nenhuma entidade sozinha pode conter os elementos aptos a produzir a própria superação, que lhe permitam sair das próprias dimensões, elevando-se acima delas. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Observa-se que, na evolução da vida, a natureza procede por tentativas, e não com a segurança de um plano pré-organizado. A técnica da tentativa contrasta completamente com o conceito de telefinalismo e o desmente. Se fosse verdadeiro aquele conceito, a evolução deveria caminhar retilínea e segura. Ao invés, ela avança incerta, como quem não conhece absolutamente o caminho a seguir; sua tendência a progredir é falaz, como de quem não sabe aonde chegar. Ela tende a subir, mas erra, corrige-se, pára, toma outra estrada, retrocede, depois recomeça e continua a subir. Muitas formas, inúteis como resultado final, permanecem abandonadas, mortas, nas margens do grande caminho. Por que esses erros, essas tentativas sem êxito? Naufraga com isto o poder do telefinalismo? E, vindo ele de Deus, como pode falir em tantos pontos? Vemos que sua sabedoria não está absolutamente presente na evolução, que não conhece nenhum telefinalismo. Ao invés de uma consciência organizadora, dá-nos tudo isto a sensação de um cego a procura de luz, apalpando a parede de sua prisão para achar a porta de saída pra formas de vida menos duras e mais livres. Por que este esforço de evoluir com risco próprio, expondo-nos a todos os perigos? E o poder diretivo dirige o quê, se fica impassível a olhar? Parece ser fraco, incerto, quase ausente, ou, no máximo, presente apenas como um vago e longínquo chamamento que o ser sente como uma ânsia confusa, que só pode realizar-se através de seu esforço mais árduo. E no entanto, podemos responder, quantas coisas conseguiu a evolução construir com essa sua enganadora técnica da tentativa! Em última análise, com suas maravilhosas construções, a vida demonstrou que sabe responder a esse íntimo chamamento telefinalístico. O esforço árduo nos levou até aqui, onde nos achamos hoje no caminho da evolução, as dificuldades foram superadas, a vida triunfou sobre todos erros e obstáculos, seus objetivos foram atingidos. Pelo nosso comodismo, somos levados a conceber a presença de Deus fazendo tudo com seu infinito poder (aliás, isto nada lhe custa), poupando-nos um cansaço que nos custa muito. Mas, ao contrário, a presença de Deus em nós é uma conquista que temos de fazer com esforço próprio, merecendo-a pelo fato de saber subir até Ele. Então, esse imperativo telefinalístico não é um elevador, dentro do qual nos sentamos para sermos levados para o alto, mas é uma escada que precisamos subir com as próprias pernas. Não se trata de fazer-nos arrastar preguiçosamente pela vontade de Deus, mas de reconstruir por meio de nosso trabalho, de acordo com a vontade de Deus, uma perfeição perdida, que permaneceu como recordação e nostalgia de reconquista, impressa na profundidade do ser. Há tanta miséria de fraqueza e ignorância nesta cegueira da tentativa, e no entanto aí vemos também a mais profunda sabedoria, que sabe erguer-se e ressurgir de todas as quedas, transformando cada erro e falência num aprendizado para aprender a subir. Na evolução, vemos agir as suas forças opostas, a do anti-sistema e a do sistema, que disputam o campo. A primeira negativa, para corromper e paralisar a subida; a segunda, positiva, para curar e fazer progredir. A miséria da fraqueza e da ignorância pertence ao ser que deve subir, desde o fundo. A riqueza de poder e sabedoria pertence a Deus que o chama e ajuda a subir. Explica-se assim como a técnica da tentativa não destrói absolutamente a presença do telefinalismo na evolução. Se a tentativa significa incerteza, também quer dizer tendência para uma finalidade. A presença dessa técnica poderá indicar-nos a imperfeição do método, mas não a ausência de um fim; poderá ligar-se a um telefinalismo difícil de realizar-se, porque cheio de obstáculos, mas não uma falta de meta. Se caminhamos até aqui, isto significa que existe uma estrada na qual se caminha. A tentativa exprime justamente, o esforço para alcançar qualquer coisa. O acaso não tende a nenhum ponto particular, nem faz esforço para atingi-lo. Ele não tem finalidades, não luta por alguma coisa, é imparcial e indiferente. Ao contrário, a evolução manifestar-se - além das paradas e desvios - como o efeito de uma atração lenta e sistemática que faz movimentar-se em determinada direção. Apesar da técnica da tentativa, o fenômeno está intimamente auto-orientado por um impulso seu animador que tenazmente o solicita sempre na mesma direção. E eis que as objeções contra a concepção telefinalística, ao invés de destruí-la, a reforçam, obrigando-nos a observar com exatidão cada vez maior. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Continuemos a observar esse grande fenômeno da evolução, para compreender-lhe cada vez mais o significado profundo. Já notamos que seu ponto de partida é um mundo de inumeráveis irregularidades individuais, que desaparecem numa regularidade coletiva de conjunto, que se revela por leis estatísticas ou de probabilidade. Ora, essa ordem de massa, que deriva de uma desordem de base, só pode leva-la sozinha ao nivelamento das diferenças individuais, eliminando o individualismo. A evolução, ao contrário, tende à diferenciação, ao assimétrico, à distinção por formas definidas, e à coordenação dos elementos componentes. Eis que o princípio de base é invertido. Ora, o cálculo das probabilidades prova a impossibilidade prática de atingir, com aquele sistema de desordem básica, e de ordem de massa, uma sucessão de fatos cada vez mais assimétricos e irregulares. E na biologia os tipos conservados são exatamente aqueles constituídos pela maior complexidade e assimetria, justamente os que são mais improváveis estatisticamente, mas que em contrapartida são os mais avançados em direção a meta. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

É verdade que, nas sociedades de unidades biológicas, as leis estatísticas tornam a regular os maiores acontecimentos da coletividade. Mas isto é um expoente, efeitos de outros impulsos determinantes, a serviço da evolução, e não uma causa suficiente que possa explicar-nos e ter determinado desde o início sua constante direção progressiva, tão tenazmente orientada que apesar de todas as falências, chega ao homem e ao mundo do espírito. Do ponto de partida ao de chegada, da monera ao homem, existe um crescimento sistemático de complexidade e uma contínua conquista de qualidades superiores. Se isto acontece por tentativas, não se pode negar que estas se movimentaram sempre em uma direção determinada, para um objetivo certo, sem o que não se explicam os resultados finais, obtidos com a formação do homem pensante. Se aceitarmos como procedente o princípio do acaso, ou seja aquele da ação dos fatores da adaptação e seleção, jamais poderemos explicar-nos como esses fatores se orientam, em média, para a construção de uma forma que é a mais improvável estatisticamente. O que não se pode negar, é que deve ter havido uma tendência prévia em evoluir em determinado sentido, em obediência a forte chamamento. Evidentemente era necessária a ação de um poder bem grande, embora escondido e latente, para conduzir a nossa existência, das estradas do mundo inorgânico da matéria às tão diferentes do mundo orgânico da vida. O primeiro não possuía os elementos que o tornasse capaz de fazer, sozinho, um salto tão grande. Havia uma revolução grande demais para realizar; uma ponte muito larga, para atravessar o abismo e uma encosta muito íngreme para subir, para que o milagre pudesse ocorrer apenas com as leis e os recursos do mundo inorgânico. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A entropia manifesta-se como um fenômeno de cansaço no dinamismo universal, que culmina na uniformidade, pela completa exaustão atingida por todas as diferenças. Este deveria ser o fim natural do universo inorgânico, segundo suas leis, se ele fosse somente isso. Com a entropia ele tende a nivelar as desigualdades, a cancelar os valores; tende a caminhar para uma distribuição cada vez mais simétrica da energia, ou seja, para diminuição e supressão das dissimetrias. E no entanto, eis que aparece, neste ponto da evolução, um mundo novo, o orgânico da vida vegetal e animal, a caminho para outras direções, regido por outras leis e por um dinamismo de outro tipo. Este é dado por um princípio diferente do da entropia, pelo qual, no fenômeno da vida, verificamos não uma diminuição, mas um incremento das dissimetrias; ao invés de uma tendência em nivelar as desigualdades e a cancelar valores, diferenças, complicações. E eis que a evolução se coloca numa estrada diversa que leva não ao nivelamento dinâmico, mas ao surgimento de individuações autônomas que se tornam senhoras do movimento e o utilizam livremente para as próprias finalidades. Assistimos, assim, a um fato rico de profunda significação. Acima do universo físico, tendente a sua liquidação, aparece quase numa compensação, e tendente ao seu desenvolvimento, em direção e forma diversa, o universo da vida. Os dois fenômenos parecem ligados por complementaridade, além de sê-lo por continuação. Se a vida, como dizíamos acima,, pode parecer um acontecimento quantitativamente secundário, desprezível, pela pequena quantidade de matéria e energia que usa, entretanto a vida se nos apresenta como herdeira da degradação do mundo físico e dinâmico, que ela vence por uma superioridade qualitativa. Paralelamente ao seu desaparecimento nos planos inferiores, parece que o universo quer reconstruir-se em outra forma, mais acima. Então, cada plano de existência seria antes utilizado para dele se derivar, por evolução, o plano superior; e depois como suporte deste, para fazê-lo desenvolver-se; seria depois abandonado e eliminado, logo que, o ser mais avançado, se tenha tornado independente. É assim que todo anti-sistema acaba transformando-se em sistema. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A matéria como a energia, os átomos como os astros, representam movimentos poderosos e velozes. Mas átomos e astros não os dirigem, e sim os sofrem. Manifesta-se a evolução como uma conquista de individual independência de movimento, como uma libertação do determinismo das leis dinâmicas e daquilo que aparece como estabilidade da matéria. Na irritabilidade da célula, primeira forma de vida, aparece um início de conquista do movimento de forma autônoma: movimentos mínimos e lentos, (que são eles diante dos de um meteorito), mas dependente da vontade do sujeito. Os movimentos precedentes continuam a girar cegos no íntimo dos átomos componentes, mas são tomados numa escala maior, em movimentos em que o ser não é efeito, como na matéria, mas é causa, como na vida. Começa, então, com a evolução, uma espécie de luta na libertação contra as leis físicas. As árvores se erguem, vencendo as leis da gravidade; os animais conquistam por terra, por água, pelo ar, seus meio independentes de locomoção, adaptando à sua vontade, as leis físicas para utilidade própria. Assim, como antes se pensava na descoberta das Américas, agora se pensa em viagens interplanetárias. Assim, se manifesta, em realizações cada vez mais poderosas, aquele impulso de libertação que leva o ser apoderar-se do movimento para conquista do espaço. Este é assim cada vez mais dominado, até que, chegando a evolução à fase do pensamento e espírito, essa dimensão espacial será superada definitivamente com a do tempo, atingindo, para além delas, outras superiores. Então, o espírito, livre da matéria, poderá gozar, sem esforço, de um movimento próprio gratuito e ilimitado, como é o dos corpos celestes. Com a diferença de que o espírito não é escravo cego do movimento, como aqueles corpos, mas senhor consciente. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Ora, a biologia concebeu, até hoje, a evolução num sentido materialístico, compreendendo-o como um processo de transformismo morfológico, e não lhe viu as causas profundas e o telefinalismo para a qual estas fazem caminhar o fenômeno. Na verdade, apresentar a esta ciência uma continuação da evolução, no sentido da espiritualização, representa uma novidade tão grande, que parece uma revolução biológica, dificilmente admissível. Mas a evolução só caminhou até hoje também por meio de revoluções, e, assim sendo, não farão elas também parte de seu método de transformismo? Não é novidade que este, após longas e lentas maturações, chegando às curvas decisivas, precipita-se para novos estados que parecem muito distantes dos precedentes, para poder aceitar que aqueles sejam continuação destes. Não é a primeira vez que a evolução dá saltos semelhantes para a frente. E a cada um deles vemos nascer um mundo, regidos por novos principios. Por que não deveria agora a evolução poder realizar, chegada a este ponto, esta nova transformação, que, relativamente, não representa um desvio maior do que os realizados no passado? Por que agora, que chegou diante da espiritualização do homem, deveria a evolução mudar de método e fazer uma exceção, detendo a sua marcha? (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho) Assim como da matéria e da energia nasceu a vida, mesmo que elas sozinhas sejam insuficientes para gerá-la, assim da vida pode nascer o espírito, ainda que ela sozinha seja insuficiente para produzi-lo. E nada mais lógico, quando se sabe que o caminho de toda evolução vai da matéria ao espírito, sabendo-se que esta é a meta final a ser atingida por todo o processo de evolução. Como a evolução utilizou as construções precedentes de matéria e energia para chegar à vida, é também lógico que o mesmo aconteça para o espírito, ou seja, que para chegar a isto, a evolução utilize as construções precedentes de matéria, energia e vida. Não pode ocorrer diversamente na construção de um edifício, senão por sucessivos planos superpostos. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

O espírito, repetimos, não é uma criação da vida, mas uma revelação através dela, disto que agora simplesmente reaparece, porque já existia no sistema antes que ele caísse. Não é a vida que cria o espírito, mas é o viver que permite, com a experiência, o despertamento dele, ainda latente, ainda não revelado naquela fase de evolução, como muito menos se revelara nos planos mais baixos dela. Assim, a vida não é um trabalho inútil, sem objetivo, fim de si mesma, nem se esgota apenas com seu funcionamento, sem nada produzir; mas é um meio para atingir conquistas mais altas, como acontece sempre a cada passo do processo evolutivo. Como o plano da matéria gerou e sustenta o da energia, como o da energia gerou e sustenta o da vida, assim o plano da vida gera e sustenta o do espírito. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

O homem é livre de desenvolver a inteligência mesmo na direção do mal, tanto mais que isto lhe poderá aparecer falsamente como vantajoso atalho para chegar primeiro à vitória. Mas então, como vai o homem para a espiritualização, que inicialmente deve ser consciência da Lei, para disciplinadamente enquadrar-se em sua ordem? Em primeiro lugar, o momento atual é apenas um encrespamento na superfície de uma das grandes ondas da evolução, e poderá desaparecer entre os movimentos de alcance tão mais amplo. Virão reações e corretivos para tornar a pôr a vida humana no seu justo caminho. Em segundo lugar, justifica-se o fenômeno com a técnica da tentativa, que a evolução costuma usar, como vimos. Isto significa que a humanidade é totalmente livre para seguir esse caminho, ou seja, desenvolver a inteligência, caminhando para o mal, em vez de dirigi-lo para o bem. Pode fazê-lo, mas a seu risco e perigo. Mas o passado da evolução mostra-nos que ela abandonou, depois, ao extermínio, essas tentativas erradas, que não correspondem ao telefinalismo que ela quer atingir. Ao homem pertencerá um futuro mais alto, quando mostrar-se digno dele. Mas não é impossível o caso de uma humanidade, que teimosamente querendo desenvolver-se às avessas, descendo pelas estradas do mal, ao invés de subir pelas do bem, seja liquidada, justamente pelo fato de que se rebela contra o princípio fundamental da evolução, que é subir para Deus, e não descer ao pólo oposto. Neste caso não faltam outras formas de vida e modelos biológicos, atualmente concorrentes, prontos a substituir o homem em sua posição biológica, se este quisesse obstinadamente engolfar-se num erro decisivo. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A evolução tem um caminho traçado e não pode sair dele. E a humanidade, mesmo que possa permitir-se temporárias digressões, terá de seguir, nas linhas gerais, a direção própria da evolução, que cada vez mais se torna dinamizante, libertadora da forma e do determinismo da matéria. Isto é também imposto pela necessidade lógica, implícita no transformismo, que é de substituir, com uma continuação do existir numa forma nova, aquela sua contínua decadência que lhe é própria, pela qual o inferior deve ser abandonado e o passado superado. Se não quisermos que tudo acabe, é necessário que essa caducidade universal do ser seja compensada com uma correspondente criação contínua reconstrutora. Só o equilíbrio entre os dois impulsos opostos, o destruidor e o reconstrutor, pode permitir que eles sejam canalizados no caminho do transformismo, e assim disciplinados como instrumentos da evolução. Se o primeiro impulso não fosse continuamente corrigido pelo segundo, venceria o poder negativo, que leva à dissolução, o que além da absurda destruição da substância, cujas formas se sucedem subindo, constituiria, com o fim de tudo, a falência da obra de Deus. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Fazer o bem e o mal significa sintonizar com determinados ambientes, que por isso se tornam nossos, e dos quais acabaremos participando, para gozar ou sofrer, consoante nossas obras. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A evolução é um fenômeno complexo, porque é dirigido pela forças superiores e ao mesmo tempo permanece como que abandonado a si mesmo. Se os destinos da vida tivessem sido confiados apenas aos próprios recursos, uma vez iniciada, só teria sabido realizar uma multiplicação de seres, e não sua transformação no sentido do aperfeiçoamento. Sem a intervenção de outros impulsos, que a vida por si mesma não possui, não se explica como possa ela ter realizado um caminho ascensional. Nem se pode negar que, embora partindo do caos, nos achamos diante do fato consumado do milagre que a vida chegou a construir, até ao homem. Entretanto, não se pode ignorar que isto é produto de um grande esforço do ser, que não pôde subir gratuitamente. Mas esse esforço que o ser teve de realizar para evoluir, não pode fazer-nos esquecer que, se não tivesse encontrado prontos os pontos para os quais se dirigir e todos elementos necessários para alcançar a meta estabelecida, teria sido vão e se teria perdido, em vez de se canalizar ao longo desse processo particular, que chamamos evolução. Eis então que, ao lado do esforço necessário para subir, é mister reconhecer a presença de uma providência que forneceu paralelamente todos os elementos indispensáveis para que a subida pudesse realizar-se, elementos preparados com antecedência e encontrados no ambiente, para que o esforço do ser pudesse utilizá-los. O acaso não pode ter pré-organizado tantas condições necessárias para o desenvolvimento da vida: formação de planetas, irradiação solar, presença de uma atmosfera, sua adequada composição química, umidade, oceanos, terras emersas, calor, luz, prontas no ambiente as substâncias utilizáveis, tudo dosado para que a vida fosse aí possível, dado que qualquer excesso ou deficiência a teria destruído. Pensemos que, no princípio, tudo era caos, e deste nasceu uma ordem maravilhosa, construindo-se, por planos, o edifício biológico que agora vemos funcionar e ao mesmo tempo evoluir, um organismo feito de partes comunicantes, que vivem trocando entre si o material de nutrição, combinando-se e fundindo-se numa só vida. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Temos diante dos olhos os principais elementos que constituem o fenômeno da evolução. Temos de um lado a sabedoria de uma inteligência que dirige. Revela-se ela em três momentos: 1) Imposição de um telefinalismo, como meta final do processo evolutivo, que por um caminho ou por outro, tem de ser atingido. 2) Pré-organização das condições indispensáveis ao desenvolvimento desse processo (providência previdente). 3) Guia do desenvolvimento do ser, acompanhando-o e dirigindo-lhe o esforço na direção desejada, estabelecida no telefinalismo. Por outro lado, temos o ser que luta para subir, se debate na tentativa, cai, levanta-se, sofre, aprende, vence ou perde, experimentando a grande aventura da evolução. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Assim caminha a evolução como um rio, que é livre, e entretanto tem que chegar necessariamente ao mar. Em ambos os casos, a coação não é exterior, mas devida ao poder dos impulsos interiores, como a gravitação, que é física, para a terra, no caso do rio, e espiritual, para Deus, no caso da evolução. Em ambos os casos a corrente é livre, e no entanto deve obedecer a esse princípio de atração que a leva num caso, a descer materialmente para baixo, no outro a subir espiritualmente para o Alto. Tudo resulta livremente constrangido por esse íntimo chamamento irresistível. O rio, como a evolução, não sabe o que encontrará em seu caminho. Ele deve cavar seu próprio leito, adaptar-se ao terreno, superar as dificuldades, ora correndo rapidamente, ora precipitando-se em cascatas, ora repousando em lagos ou pauis. Mas o ponto de chegada está fixado: o mar. A corrente do rio não pode escapar ao impulso que lhe imprime aquela atração. Também a evolução sente o chamamento poderoso que a movimenta e não pode deixar de responder-lhe obedecendo. Ora, como é certo que, cedo ou tarde, de um modo ou de outro, a evolução deverá levar o universo ao estado perfeito do sistema. Como no rio cada gota d’água chegará ao grande pai de tudo que existe: Deus. Como o rio a evolução é livre de escolher o caminho que quiser, mas está fechada nos limites de sua lei, que a constrange a caminhar para seu ponto final. O caminho do rio não está traçado e as águas devem procura-lo, mas sempre seguindo o telefinalismo pré-estabelecido, dessa forma acontece com a evolução. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

No fenômeno da evolução, vemos balançar-se, em equilíbrio, impulso independente de liberdade e um impulso oposto, determinístico. No rio, como na evolução, não interessa muito que se siga esta ou aquela estrada (zona de livre escolha, deixada ao arbítrio do ser), mas que atinja a meta (zona determinística). À evolução não importa se vai sobreviver este ou aquele biótipo, desde que sobreviva o melhor, e por meio dele, triunfe a vida. Assim se realiza, através de tanta luta, a ilimitada aventura da evolução, incerta e falaz no particular, mas segura e vitoriosa em seu conjunto, dirigida pela lógica de seu telefinalismo. De um lado, ignorância e liberdade do ser, que segue a evolução; do outro a sabedoria e telefinalismo determinístico que dirige a evolução. Duas qualidades opostas e complementares, que harmonicamente se compensam, equilibrando-se. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Se bem observarmos, veremos que o processo da liquidação do universo físico e dinâmico não é um fenômeno isolado; mas que, paralelo a ele, se verifica um correspondente processo genético de um universo espiritual. Nada se cria e nada se destrói. O que morre tem de renascer sob outra forma. A substância que desaparece como manifestação no plano físico e dinâmico, reaparece em diferente manifestação no plano espiritual. Os dois fenômenos de destruição e reconstrução estão equilibrados e o seu transformar-se de um no outro é apenas um processo criativo de reintegração, através da mudança de forma. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

As normas da ética tiveram no passado, a função de disciplinar a vida do homem, refreando-lhe e guiando-lhe os instintos animais para que adquirisse outros mais evoluídos. Essa moral, dirigida ao grande objetivo de refazer o homem, melhorando-o, foi por ele aplicada, porém, segundo sua forma mental e instinto dominante, ou seja, com espírito de ataque e defesa, que corresponde à lei de seu plano animal, a da luta pela seleção do mais forte. Como conseqüência, a execução das normas dessa moral é confiada em grande parte ao terror de sanções punitivas, ao cálculo do próprio prejuízo, o que introduz, no seu utilitarismo criador, próprio da vida um elemento negativo, tendente a invertê-lo, dando-lhe um aspecto de agressão e destruição. A nova moral, ao contrário, é concebida não contra, mas em função da vida. Sempre e totalmente positiva e construtiva, jamais e em coisa alguma negativa, destrutiva ou agressiva, pois, mesmo visando ao bem, jamais poderá posicionar-se contra as leis da vida. Trata-se de uma moral mais evoluída, que não destrói, mas respeita toda moral precedente e atual, e que justamente, por ser mais evoluída, não pode deixar de perder alguns de seus caracteres negativos, feitos de luta e imposição, os quais são necessários nos planos inferiores de vida porque se destinam a conquistar, a partir daí, outros planos positivos, feitos de amor e compreensão, possíveis apenas nos níveis mais elevados da existência. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Feita para um ser mais evoluído, a nova moral, perderá os opressores e anti-vitais atributos de culpa, pecado, condenação, que significam esmagamento, e a vitória do mal infligido pelo mais forte com sua sanção punitiva, para basear-se, não na coação pelo medo do prejuízo, mas pela convicção de ir ao encontro da vantagem própria. É um reerguimento de posições, pelo qual se trabalha não mediante repulsão, mas por atração, sendo o móvel não a fuga de um mal que nos ameaça, mas a consciência da utilidade de obedecer às normas da ética. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho) Se é verdade que a moral coativa terrorística é uma necessidade para os tempos menos adiantados, já que não há outro meio para induzir o involuído a obedecer, e assim melhorar, é também verdade que esse método se torna supérfluo e até contraproducente, logo que o homem se civiliza. Contraproducente, porque feito de luta e cheio de atritos; porque embora seja para fazer subir a vida à espiritualidade, se tenta matá-la em sua animalidade, excitando-se assim as suas reações, já que se põe em ação o espírito de agressividade, que atrai para baixo (zona a que pertence), em vez de conduzir para o Alto. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Não haverá mais em primeiro plano, como sendo a coisa mais importante, o trabalho de matar no homem, o animal. Esse trabalho sozinho produz apenas um cadáver e só este permanecerá se não tivermos feito ao mesmo tempo, ressuscitar o anjo. O objetivo da evolução é subir, e o que mais importa é construir o novo. Destruir o velho não tem valor em si mesmo, mas apenas porque serve para deslocar-nos para mais altos níveis de vida. O objetivo de tudo é subir, e tudo só se justifica se leva à realização do supremo telefinalismo da vida, que é a sua espiritualização. Tudo o que é destruição anti-vital pertence aos poderes negativos do mal, ao passo que tudo que representa construção vital pertence aos poderes positivos do bem. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Encontramos então o princípio diretivo fundamental que nos permite reconhecer o que é moral e imoral, no mais amplo sentido ético e anti-ético. Jamais, provocar conflito entre moral e vida. No plano biológico humano, onde costuma nascer esse conflito, acontece que, na prática, é a vida (ninguém pode torcer) que vence e a lei ética perde, ficando como teoria não aplicada, e em substância, uma forma de hipocrisia. Dado que a evolução traz harmonização, no plano de vida que funciona a nova moral, deve desaparecer todo traço de luta. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A nova moral pode dizer o que seria absurdo enunciar no plano do involuído, porque aí geraria completa anarquia. Como cada povo tem os chefes que merece, assim cada tipo biológico está preso à lei que merece e lhe está proporcionada. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Podemos, assim, chegar a uma -definição de moral" dizendo que ela é: "o conjunto das normas de conduta que guiam o homem para atingir o maior objetivo da vida: encontrar Deus, subindo com a evolução o caminho que a Ele conduz todos os seres". (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A lei ética muda, de plano a plano, oferecendo-nos assim, de acordo com os diversos níveis, uma série de morais relativas diferentes, que são aproximações diversas da mesma moral perfeita do evoluído. Desta forma podemos chegar não só ao conceito de uma variedade de morais sucessivas, escalonadas em várias alturas da escala evolutiva, como também chegar a admitir a maturação de uma moral relativa em evolução; ou seja, não apenas uma moral (aparentemente) estática e definitiva para uso da forma mental humana, como também uma moral progressiva muito mais vasta, que lhe garante um amanhã. Isto nos é confirmado pelo fato de que em cada coisa encontramos esse fenômeno de relativismo que evolui. A própria verdade é, para o ser, relativa e está em evolução, proporcionada ao grau de consciência conquistada. É lógico, aliás, que a norma de conduta que deve guiar o ser em seu regresso a Deus, deva ser proporcionada à posição conquistada na subida evolutiva, e deva ser diferente, de acordo com a maior ou menor proximidade do ápice. Pode chegar-se, assim, ao conceito de uma ética especial que não está numa só dimensão, como a comum humana, mas uma ética em tantas dimensões, quantas são as possíveis posições do ser, ao longo da escala evolutiva, uma ética que não diz respeito apenas ao homem, mas as todas formas de existência, que vão dos movimentos atômicos ao espírito. Ética que, naturalmente, se manifesta de formas diversas nos vários planos: determinístico no da matéria, e por meio do livre arbítrio no nível humano. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Compreende-se que se deve conceber a moral em função da evolução. A que for seguida por determinado tipo biológico, será o melhor índice de sua natureza e grau de desenvolvimento. "Mostra-me como ages, e dir-te-ei quem és". Assim na mesma humanidade acharemos vários níveis evolutivos e éticos, indivíduos de morais diferentes, na base das quais sentem e agem. Teremos a moral do evoluído e a do involuído, diferentes como o é o próprio tipo biológico. Assim os julgamentos sobre tudo e sobre todos, serão diferentes, de acordo com o plano evolutivo, a forma mental e a moral relativa do indivíduo que os formula, e não terão valor superior a esta sua relatividade. O mesmo metro único da ética estandardizada para uso prático, será assim diversamente interpretado e aplicado para cada um dos numerosos elementos que constituem a sociedade humana, numa rede de julgamentos, dos quais cada um, em sua relatividade, pretende ser absoluto e definitivo. Mas é óbvio que tudo isto tem valor relativo. O julgamento último, completo e perfeito, não pode sair desse relativo, só podendo provir de uma fonte que está fora e acima de todos os seres, no absoluto, em Deus. Todos os demais julgamentos exprimem, em primeiro lugar, a pessoa que o profere, seu tipo, sua evolução, sua posição na vida, seu interesse, sua forma mental etc. assim, por coisa alguma uma pessoa é tão bem julgada, quanto por seus próprios julgamentos. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

As exigências fundamentais da vida, são três: 1) a conservação do indivíduo; 2) a conservação da espécie; 3) a evolução. Essas exigências, que objetivamente se verificam na realidade, explicam-se como efeito dos princípios que regem a vida, mostram-nos seu funcionamento, sua razão de ser e seu telefinalismo, num quadro lógico completo. A vida impõe satisfação a essas suas três exigências, por meio de três fortíssimos instintos 1) a fome, 2) o amor, 3) a ânsia de melhorar. A ética reserva-se a tarefa de disciplinar esses três instintos para guiá-los no cumprimento dessas três exigências. É por isso, pois, que se ocupa: 1) da aquisição e uso dos bens, propriedades, trabalho etc.; 2) das relações de sexo, formação da família, deveres dos pais e dos filhos etc.; 3) da tarefa de fazer evoluir, confiada a poucos indivíduos, embora o desejo de subir seja comum a todos. Quanto àqueles raros indivíduos, a ética comum não os protegerá, porque eles se situam fora dela, no seio de seu mais alto plano de vida. Esses três instintos representam os impulsos principais que movimentam o homem (mesmo que em redor deles girem outros menores, conexos com eles) todos visando à defesa da vida: 1) como indivíduo, 2) como espécie, 3) como evolução. Não é o capricho do homem que os quer, mas a sabedoria da vida, como meios para alcançar seus objetivos; portanto, fazem parte da Lei, do pensamento e da vontade de Deus, no plano humano. Qualquer ética poderá, pois, e até deverá disciplinar esses impulsos, a fim de que melhor alcancem seu objetivo, mas jamais poderá opor-se a eles, pois isso significaria opor-se a Lei, tal como ela quer manifestar-se nesse nível. (...)Em outros termos, a sociedade, para poder exigir obediência à sua moral, deve antes permitir a qualquer um o mínimo indispensável para que sejam satisfeitas aquela exigências da vida. Se esse mínimo fosse negado, o responsável seria mais o que faz a lei do que quem a viola, porque aquele, e não este, é a maior causa do mal, tornando-se em primeiro lugar anti-moral. Mas desgraçadamente, dado o regime humano de luta, vigora uma moral repressiva, do que preventiva, mas "a posteriori" que a "priori", mais atenta a perseguir os efeitos que eliminar as causas. Intervir só depois do fato consumado pode significar não apenas a culpa do réu violador, mas também a falta de sabedoria de quem, tendo o poder em mãos, não soube impedir que se formasse o mal, e aparece só depois que o prejuízo se verificou, acreditando cancelá-lo com a repressão. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Na nova moral, a culpa para o indivíduo começa quando ele exige o supérfluo, o que está além do indispensável para as necessidades da vida. Isto é confirmado pelo Evangelho, que diz que devemos dar o supérfluo aos pobres. Então, ele não nos pertence, mas àqueles a que falta o necessário, e não temos o direito de possuir o que lhes cabe. Isto porque os bens não são um meio para satisfazer a cobiça de poucos, mas um instrumento a serviço da vida de todos para que ela possa levar todos à obtenção de seus objetivos. Assim, o supérfluo se torna cada vez mais anti-moral, quanto maior for, porque, aumentando, diminui a necessidade de possuí-lo e cresce o dever de fazer dele bom uso, útil à vida e a seus fins. Se esse princípio do Evangelho tivesse sido seguido no passado, e se hoje ainda o fosse, não teria havido nem hoje surgiria a possibilidade de revoluções sociais. Com isto a vida tenta por sua conta, uma primeira aproximação de justiça econômica, colocando de tal forma as várias classes sociais, cada uma ao seu turno, na posição privilegiada. Sistema nada perfeito, porque são necessárias desordens e extorsões, para que os bens passem das mãos de quem tem muito, às de quem tem pouco. Com o mesmo fito, a vida tende também ao desgaste interior dos favoritos. Ou seja, acontece que o bem-estar os enfraquece e assim automaticamente os coloca em condições de inferioridade na luta pela vida, pelo que rapidamente perdem sua posição de vantagem. Depois, o próprio fato de achar-se, só pelo nascimento, com uma riqueza já feita, não adquirida pelo próprio esforço, parece diminuir seu valor aos olhos do seu possuidor, de modo que, embora tivesse a força, ele se sente menos pronto que o normal, a lutar para não deixar que a riqueza lhe escape. Paralelamente acontece que, enquanto este se torna cada vez mais inábil a mantê-la, a necessidade estimula as forças e aguça a inteligência dos deserdados, que proporcionalmente, se tornam cada vez mais espertos e audaciosos na luta de conquista. As duas tendências levam ao mesmo resultado, que é um deslocamento de classes com uma distribuição diferente da riqueza. Isto prova que a vida tende por si ao equilíbrio, à justiça - neste caso uma eqüitativa distribuição econômica - que é atingida por meio da instabilidade das posições. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

As normas concebidas nos ambientes mais elevados constituem o que se chama a teoria. O modo com que são recebidas, adaptadas e até invertidas no ambiente humano terrestre constitui o que se chama a prática. A realidade apresenta-nos, então, um espetáculo bem diferente do que se poderia imaginar. Quem faz as leis é a camada social superior, que tem o direito de mandar porque venceu a batalha da vida. Se essa camada não faz a lei ética, porque só poucos e excepcionais evoluídos conseguem intuí-la, pode todavia formulá-la em artigos de lei, dosá-la e, sobretudo, enchê-la de sanções que, na terra, são as coisas mais importantes, se não quisermos permanecer no campo teórico. E então a ética, que no Alto é outra coisa - ou seja, norma expontânea de convicção - também se torna luta, para adaptar-se à lei da terra em que desceu. É sob esse aspecto que a moral aparece em nosso mundo, fato que pode parecer estranho e contraditório, mas do qual compreendemos as razões. A ética resolve-se assim, na prática, numa luta entre a classe superior que impõe as leis, e as classes inferiores que devem aceitá-las, luta entre as classes dos juizes que estabelecem a culpabilidade e condenam, e a dos julgados culpados, que são condenados se não obedecem. Podemos perguntar-nos agora: como consegue a vida evoluir, se a descida dos ideais à terra está submetida a esse sistema que a converte em luta e assim paralisa seu efeito mais importante, que é o de provocar uma melhoria? Eis então o que acontece: o progresso é um impulso íntimo, que age de dentro, indistintamente sobre todos, tanto em quem manda, como em quem obedece. A evolução não pode submeter-se ao contraste entre os dois impulsos opostos em luta; então, ao invés de ficar dominada por ele, domina-o e o utiliza. Não podendo caminhar em linha reta, avança tortuosa como um rio, por impulso e contra-impulso, por ação e reação entre as duas partes contrárias que assim, acreditando eliminar-se, colaboram substancialmente na mesma direção, que é o da evolução. (P. Ubaldi Evolução e Evangelho)

A idéia do inferno não foi criação de um grupo sacerdotal, mas uma necessidade psicológica, imposta pelo estado de involução em que se achava o homem no passado. Sem esses terrorismos hoje inaceitáveis, o edifício ético, em virtude de sua estrutura mental, teria caído na anarquia. Mas é lógico que tudo isso deva ir desaparecendo, automaticamente, sem danos, logo que o homem, por ter-se civilizado mais o permita. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

É preciso afastar-se cada vez mais dos grandes absurdos e aberrações do passado, como as guerras santas, as inquisições, os infernos eternos, a benção das armas e as condenações em nome de Deus, como de toda coação espiritual que leva à aceitação forçada, como substituto da aceitação espontânea por convicção. U’a moral fraterna e pacífica de onde desapareceu a luta em que, sendo tudo lógico e claro, não pode aparecer a mentira, porque é contraproducente. Para eliminar todos esses efeitos maus é mister eliminar as causas. Não é uma moral para uso dos vencedores, em detrimento dos vencidos, mas uma moral de justiça em que há lugar para os direitos e à vida de todos. Então a classe dos rebeldes à ordem social não teria mais razão para existir e desapareceriam essa praga, essa luta e esse perigo. Mas enquanto dominar u’a moral de classe, ao invés de u’a moral biológica imparcial, a humanidade terá de continuar a luta, e não poderá purificar-se de seus elementos mais daninhos. Estas são as regras do jogo e não podemos sair delas: se semearmos justiça, colheremos ordem e paz; mas se semearmos injustiça só poderemos colher revolta e mentira. Se, no próximo, quisermos enganar a vida, a vida através do próximo, nos enganará. Esta é uma realidade à qual não podemos escapar, mesmo se tudo fizermos em nome de Deus, da pátria, de um ideal, do bem da humanidade. Esta é a verdade a que todos se reduz, para além dos esquemas filosóficos, religiosos, ideais e sociais. As aparências não contam. Se não formos sinceros, teremos mentira; se oprimirmos teremos revolta; se não soubermos mandar para o bem alheio, não obteremos obediência. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

O ponto fraco da moral vigente é sempre o de permanecer imersa no plano da luta, de ser uma expressão dela, de existir em função dela, permanecendo assim uma moral de involuídos. A causa primeira dos males daí derivados é o princípio do mais forte, que domina nesse plano, princípio que leva a derrota. Segundo esse princípio a verdade é estabelecida pela maioria, com suas idéias, para satisfazer seus instintos e interesses. Cabe-lhe esse direito, porque ela é numericamente mais forte. Mas quais são as idéias da maioria, que certamente não pode representar uma elite selecionada? São as que correspondem aos impulsos mais elementares da vida. E é a essa altura, própria dos involuídos, que os evoluídos são constrangidos a nivelar-se. E então, mesmo que a verdade possa descer do Alto pela revelação, o que a humanidade aceita, aplica e vive, é estabelecido pelos limites impostos pela capacidade de compreensão das massas, que não sabe ir além de um consentimento instintivo do subconsciente, que representa a parte mais involuída, a animal do ser humano. São estas as forças que, através dos fatos tendem a dirigir a atividade humana e com a qual a ética tem de contar, pagando o seu tributo, ainda que na teoria, essa atividade pretenda justificar-se proclamando-se conseqüência e aplicação de princípios absolutos, e sendo praticada em nome de Deus e dos mais altos ideais. A realidade positiva que aparece nos fatos é a satisfação dos imperativos dos interesses da vida, que quer atingir sua finalidade. Constrói-se assim o castelo da ética sobre bases escusas, que se enterram nas vísceras do mundo biológico e que pouca afinidade tem com abstrações lógicas e teológicas, onde a ética pretende fundamentar-se para assumir valor absoluto, acima do nosso contingente. Como o homem construiu para si uma idéia toda antropomórfica da Divindade, para seu uso e consumo; como se colocou na posição de único objetivo da criação, num planeta que estava no centro do universo, em função de valores considerados absolutos, por exemplo a imobilidade da terra e a solidez da matéria; do mesmo modo o homem construiu para si uma ética na base de ilusões psicológicas, que a observação mais acurada das mentes mais adiantadas vai gradualmente desfazendo com a análise, à proporção que, com a evolução, se abre a inteligência humana. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

A moral dos selvagens atinge a antropofagia. A moral do homem civilizado admitiu, até há pouco tempo, a escravidão, e ainda admite, em vários casos, o direito de matar seu semelhante. Quanto mais civilizado é o ser, e ilícitas, muitas coisas que a moral comum permite, mais é evoluído e mais fica horrorizado como os seus semelhantes realizam, sem nenhum sentimento de culpa, atos que seriam, para ele, inadmissíveis. Esse tipo biológico poderia então fazer uma lista de crimes que a ética comum, tanto religiosa como civil, admite tranquilamente, sem perceber a sua atrocidade, com a mesma ingenuidade com que - em proporção - o antropófago devora o seu inimigo. Vejamos alguns desses casos. 1. Julgamos não em função da justiça, imparcialmente, mas em função da força de que o julgado dispõe; seja em posição social, poder econômico, capacidades bélicas etc., chegando assim a uma justiça que funciona de modo exemplar apenas para o faminto e inerme ladrão de pão ou de galinhas. 2. Julgamos e condenamos o próximo sem conhecer suas condições reais e só em função deles mesmos. Sermos tolerantes quando nos outros encontrarmos os nossos próprios defeitos, pelos quais também nós poderíamos ser condenados primeiro, se os condenássemos; e tornarmo-nos desapiedadamente intansigentes e modelos de virtude, quando nos outros podemos apontar defeitos que não temos, pelos quais, portanto, não podemos ser alvo do retorno de acusação. 3. Servirmo-nos das altas coisas do espírito e de Deus para alcançar vantagens materiais, para vencer na vida e nos afirmarmos no mundo, prostituindo-as até fazer delas instrumento de astúcia de guerra. Em outros termos, servirmo-nos da política para satisfazer o próprio orgulho ou para nos tornarmos uma potência social e econômica, e não para ajudar a nação; servirmo-nos da religião para assegurar uma posição e não para cumprir a missão de levar o bem às almas; trairmos os princípios que dizemos professar, usando-os para outros fins, enganando a respeito dos verdadeiros métodos de vida, bem camuflados sob o belo manto da hipocrisia; e, praticando na realidade, sob tão belas aparências, o jogo duplo do Maquiavelismo. 4. Segundo a moral em vigor, é lícito vivermos no desperdício do supérfluo, enquanto outros nossos semelhantes carecem do estritamente necessário, assim como é lícito entrarmos na posse de bens que não foram ganhos com o próprio trabalho. 5. É lícito roubarmos quando com isto darmos provas de uma inteligência, que sabe enganar a justiça estabelecida pelas leis. Saber escapar astuciosamente, aos castigos, pode até marecer como prêmio a velada estima da opinião pública, que não a regateia a quem saiba vencer e tornar-se poderoso, e que se torna incondicionalmente admirado só por isso, relegando ao esquecimento os meios utilizados, desde que atingiu resultados tão brilhantes e invejados. 6. É lícito, com a benção de Deus e as honras da pátria, matarmos quando isto corresponde aos interessses do próprio país ou dos detentores do poder. Aos maiores carrascos da humanidade, que realizaram as maiores matanças bélicas, foram tributadas as maiores honras da história. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho) A ética do mundo faz muita questão de distinguir um grupo do outro, seja por fé, religião, partido etc., e não distinguir honestos de desonestos, onde quer que estejam. Isto justamente porque o maior interesse destes últimos, que são os mais espertos, é permanecer misturados em todos os grupos com os honestos, que são os mais fáceis de serem subjugados. Assim, sob outras aparências, pode-se fazer o verdadeiro jogo da vida, que é o de vencer na luta, e pode aplicar-se a verdadeira ética vivida, que é ética de guerra, pela qual os mais fortes e astutos podem atingir os altos postos, dominando os mais fracos e simples. Eis a verdadeira ética, que vigora sob as aparências da moral oficial, ética que oferece a palma do vencedor a quem souber fazer o jogo da vida, às expensas de quem não sabe fazê-lo. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Quaisquer que sejam os princípios teoricamente proclamados, a lei vigorante, de fato, é a da luta, do ataque e da defesa, pela qual a reação do indivíduo contra qualquer autoridade pode explicar-se com o instinto, como legítima defesa, provocada pelo fato de que, quem tem em mãos o poder, costuma usá-lo para vantagem própria ou da classe, e não como uma função social para o bem de todos. Jamais se poderá impedir que a vida reaja em defesa própria, ao sentir-se atacada em qualquer ser. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Contra todas as morais, persiste o fato de que a vida humana é um contínuo estado de guerra. Esta é o estado normal, ao passo que o de paz é constituído de intervalos necessários para preparar outra guerra. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Fala-se muito de bens espirituais, mas o que vale na terra são os bens materiais, tanto que, para ser compreendido o valor espiritual do homem superior, é necessário que ele seja demonstrado exteriormente pela riqueza de um monumento ou de um templo, se ele morreu, ou de alta posição social, se está vivo. Se Cristo aparecesse hoje na terra, sem nenhum apanágio terreno, talvez ninguém o percebesse. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

Tudo pode parecer-nos, de um modo ou de outro, não apenas pelo que olhamos, mas também de acordo com o que somos. Podemos então ver o universo como matéria, ou como espírito, como forma ou como substância, como princípio diretivo ou como sua atuação concreta. Podemos vê-lo como análise, na complexidade de um pormenor que se multiplica sem limites, ou como síntese, na simplicidade de um lampejo instantâneo. Cada um vê tudo segundo a forma mental que possui, segundo o grau de consciência que conquistou, até as formas de existências mais involuídas que, por não terem conquistado nada, talvez sejam totalmente cegas e obedecem sem saber nada. (P. Ubaldi - Evolução e Evangelho)

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