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A TEORIA DA REENCARNAÇÃO

(Excertos do livro Problemas Atuais)

(1ª PARTE)

 

 

Façamos antes algumas observações de caráter geral. Na Europa, a teoria da reencarnação, penetrou vinda da Ásia que a professa, através da Teosofia. Tendo em vista que apenas culta minoria dos estudiosos se interessa por esses problemas, ficando as massas indiferentes, o catolicismo não tomou posição de franco antagonismo contra tal teoria. Afirmam sacerdotes cultos que a questão ainda não foi definida nos concílios e é portanto opinável, isto é, sujeita a diversas opiniões. Outros pensam diversamente, conforme sejam por temperamento próprio levados a simpatizar ou detestar a teoria. Sendo este um problema de que poucos, relativamente, na Europa, se ocupam, e não sendo doutrina dominante de outra religião, o catolicismo não se preocupa, naquele continente, de condená-la expressamente. No indiferentismo geral em relação aos problemas religiosos, ainda que algum católico nela creia, ninguém com isso se preocupa, uma vez que isto não lesa a ninguém interesses materiais, e que por tanto não são levados a reclamar.

 

Na América do Sul, e sobretudo no Brasil, interessam-se as massas por essa doutrina, dado que faz parte integrante do espiritismo de Allan Kardec aí difundido. A teoria da reencarnação é de clareza tão intuitiva e de logicidade tão evidente que, da mesma forma que a existência de Deus, não sentimos necessidade até agora de ocupar-nos dele diretamente, tanto mais que esta teoria está subentendida em cada página da Obra e implícita na solução de cada problema. A melhor demonstração de uma teoria não é demonstrá-la, mas mostrar-lhe os resultados positivos a cada passo. A melhor demonstração do fato de que temos pernas será o caminhar, sem recorrer a dissertações comprobatórias sobre a existência e uso das pernas. Alhures[1] prometemos que daríamos provas decisivas desta matéria, e eis-nos a cumprir a nossa promessa.

 

A melhor prova que podemos dar da teoria da reencarnação é a seguinte. O sistema de toda nossa Obra, já se pode agora verificar que resolve harmônica e logicamente, fundindo-os num todo orgânico, os maiores problemas do conhecimento. Problemas menores, não diretamente tratados, têm a solução implícita no sistema que lhes dá a chave. Posto isto, estamos autorizados a crer que este sistema corresponde à realidade dos fatos. Qualquer problema, mesmo os não diretamente tratados, é de possível solução no sistema, com os mesmos princípios e o mesmo procedimento por ele aceitos. Apresenta-se- nos o todo como um edifício completo em cada uma de suas partes, das suas origens no Absoluto até os particulares no contigente, apresenta-se-nos como um organismo em ação, em que cada componente está em seu lugar, bem coordenado com o outro, mediante justa função e mata a atingir. O todo é regido por tão simples e evidente lógica, que instintivamente persuade, tal como os conceitos axiomáticos que aceitamos todos sem discutir. O todo é coligado e fundido num monismo absoluto, ou seja, é estritamente unitário, reduzível a uma fórmula única e constituído por um só organismo em que se coordenam todos os fenômenos mais díspares, desde os do mundo físico aos do mundo moral. Ora, ou esse sistema é verdadeiro, ou o não é. Se é verdadeiro, temos a explicação racional de tudo. Se não é verdadeiro, recai tudo na confusão, na contradição, no mistério. Se não quisermos escolher este segundo caminho, temos que aceitar o primeiro.

 

Posto isto, verificamos que a teoria da reencarnação, se bem que não demonstrada por nós até agora especificamente, dada sua evidência que fazia parecer supérfluo o trabalho, é o ponto-chave, a pedra angular de todo o edifício, que sem ela cairia. Mesmo se a teoria da reencarnação não ressaltasse por si mesma de lógica evidente, devemos admitir que se não poderia dar a essa incógnita da equação, outro valor que o da reencarnação, pois todos os fenômenos, concordes com a lógica mais cerrada, nos dizem que esse X só pode ter um significado no sentido reencarnacionista. Só  esse valor pode colocar-se neste ponto do organismo lógico do todo. Com efeito temos dois casos: ou à incógnita se dá esse valor, e então continua tudo a ser logicamente explicado e resolvido até o fundo, sem resíduos; ou se lhe dá outro valor, e então, qualquer seja ele, tudo  permanece insolúvel e incompreensível. Com isto não queremos diminuir a importância daquilo que foi maravilha no seu tempo, a teologia de São Tomás. Mas ele não podia situar os problemas por nós hoje situados e que o mundo moderno resolve com a ciência. Ninguém poderá dizer num universo em marcha, que deva ser aquela a única, última e definitiva teologia de um mundo que, por força das circunstâncias, deve e quer progredir.

 

Vimos que o conceito da evolução é a espinha dorsal de todo o sistema, como segundo tempo da subida após a queda[2]. Não podemos parar na simples evolução da forma, no sentido Darwiniano. Pois esta mesma só se explica como evolução do princípio espiritual que rege todas as formas, do qual estas são expressão. Por aqui se compreende a utilidade da dor ao lado da bondade de Deus, e tantas outras coisas. Suprimamos esses conceitos e cairemos num caos de contradições, em que triunfa não Deus, mas o mal. Ora, evolução espiritual só pode significar reencarnação. Só a eterna existência de um eu pessoal pode permitir seu progresso, sua responsabilidade e correção pela dor. Fora desse ponto de vista, a estrutura orgânica do todo perde seu significado e a grande marca para a redenção em que tudo caminha, perde sua meta. A eterna existência de um eu pessoal é imposta ainda por sua intrínseca natureza divina; isto quer dizer reconhecê-la e respeitá-la, porque tudo o que é divino não pode ter princípio nem fim.

 

O eu nascendo na Terra, representa desde os primeiros anos uma personalidade sua, já definida em seus pontos essenciais, que jamais poderão os anos modificar completamente. Se quisermos atribuir uma lógica e justiça ao fato, de que nascemos em posições e com qualidades tão diferentes, temos que admitir que isto é a conseqüência de um passado próprio e individual que, em virtude do princípio universal de causa e efeito, nos acompanha em suas conseqüências. Se assim não fora, outra coisa não nos caberia, senão declarar esse fato como injustiça e recair nas trevas do mistério. Mesmo os animais nascem com instintos, como os homens com suas qualidades pessoais. Quem fez isto? Não, a obra de Deus criador não pode ficar à mercê dos atos sexuais de tantos inconscientes, para fornecer almas quando a estes mais agrade.

 

Além disso, deve haver proporção entre causa e efeito. Então, não é possível que uma causa limitada no tempo (uma só vida) possa produzir um efeito de natureza ilimitado (eternidade). Essa causa só poderá produzir um efeito a ela proporcional, da mesma ordem, isto é, limitado por natureza. Ora, um pedaço de tempo e eternidade, ou seja, finito e infinito, são entidades de ordem diversa. A eternidade jamais se poderá conseguir somando números finitos, por maiores que sejam, de unidades limitadas de tempo.

 

Ademais, se não quisermos negar a eternidade do espírito após a morte, temos que admitir em paralelo sua eternidade antes do nascimento. O universo é um organismo equilibrado. Não pode haver balança com prato de um só lado. Não pode existir um semicírculo sem um correspondente, inverso e complementar que o complete, que uma mesma quantidade seja avaliável, de um lado em termos de infinito e de outro em termos de finito, isto é, que possa não ter fim o que teve princípio, é um desequilíbrio inadmissível, um absurdo lógico e matemático. O universo é todo lógico. Não se pode ser eterno só de um lado, isto é, só no futuro. Se quisermos admitir a sobrevivência da alma, é mister situar a vida humana entre duas entidades da mesma natureza, entre duas entidades equivalentes, uma no passado e a outra no futuro. Como uma linha, limitada de um lado e ilimitada de outro, é somente uma parte ou seção da linha que só é completa se concebida como ilimitada e infinita de ambos os lados; assim a existência do espírito no tempo, limitada de um lado (pelo nada do qual teria nascido) e eterna do outro, é apenas uma parte ou seção de toda a vida do espírito, que só é completa, se concebida como eterna dos dois lados (passado e futuro, infinito negativo e infinito positivo). Então se quisermos dar à vida um princípio com nascimento, necessidade temos de dar-lhe um fim com a morte, como o fazem os materialistas. O que nasce deve morrer. Somente o que não nasce não deve morrer. Se não quisermos dar à vida um fim com a morte, não lhe podemos dar um princípio com o nascimento. Não há que fugir: se a alma foi criada no momento do nascimento, deve terminar com a morte. Se não termina com a morte, deve preexistir ao nascimento.

 

Mas há outra razão em favor da reencarnação. Em nosso universo, a existência de cada ser toma a forma do “tornar-se” ou transformismo, de modo que “existir” só pode significar “tornar-se”. Ora, fixar o ser num estado definitivo, não mais sujeito ao caminho evolutivo ou involutivo, como é o estado para sempre imutável do paraíso ou do inferno, significa paralisar o “tornar- se”, que quer dizer paralisar a existência, ao menos qual a encontramos em nosso universo em evolução e enquanto ele existir em tal forma. Se o ser quer continuar a existir, deve pois continuar seu transformismo ou caminho evolutivo, mesmo depois da morte, como nos indica a reencarnação. Há um termo ao “tornar-se, mas só no fim do processo evolutivo, e com a perfeição atingida no regresso a Deus.

 

Os vários grupos humanos poderão sustentar o que quiserem segundo seus interesses. Mas a reencarnação é uma verdade biológica positiva, que hoje pertence já a ciência; é fato objetivo independente das afirmações de qualquer escola ou religião. A essa doutrina se refere o próprio Evangelho, que sem ela seria incompreensível em vários pontos.

 

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Procuremos encarar o problema mais de perto, em seus pormenores. Não basta, às vezes, que verdadeira seja uma teoria para que se possa apresentá-la a todos. Pode-se então assistir, nos países reencarnacionistas ao triste espetáculo da caça ao próprio passado, feita como um jogo, por leviandade e curiosidade vã, só para saber quais foram as próprias encarnações anteriores. Afirmar a teoria como princípio, significa sustentar uma verdade.. abandonar-se a uma pesquisa de advinhos, na qual pode-se esconder o orgulho e dominar a fantasia, é, pelo contrário, mais condizente a desacreditar que confirmar a teoria da reencarnação. Muitos, com efeito, pretendem rever-se de preferência não nos comuns desconhecidos, mas em personagens históricas, o que é pouco provável, pois estes representam muito poucos lugares vagos em relação ao número de pretendentes. Verifica- se o caso de várias pessoas vivas afirmarem ter sido a mesma personagem do passado. E tudo isso é feito sem possibilidade de controle; mas é elementar e mesmo regra de honestidade, que se não tenha o direito de fazer nenhuma afirmação gratuitamente, isto é, quando não se não possam aduzir provas tanto para os outros como para si mesmos. Assim, o povo simples e fantasioso, ainda que sem malícia e certamente de boa fé, pode construir lendas destituídas de qualquer fundamento e só a base de vagos indícios, hipóteses e elementos incontroláveis. A teoria da reencarnação é uma coisa séria e não deve ser usada para satisfazer vã curiosidade. Quem chega a ter intuições a respeito, estude a si mesmo, faça pesquisas íntimas para conhecer- se e reconstruir a história de seu destino, para melhor trabalhar de acordo com a lei de Deus. Mas é bom não divulgar isto, ao menos até achar confirmações em provas positivas, por todos aceitáveis.

 

Assim, igualmente prudente se deveria ser na pesquisa das causas que justifiquem o atual destino e condições de vida de outrem. Aplicando a lei dos opostos, isto é, o princípio geral de que cada abuso gera carências, fácil é imaginar que cada privação e dor presente seja a conseqüência de um excesso passado em sentido contrário. Mas, se este é o princípio, não nos autoriza a julgar o próximo em casos particulares, pois muitas são as formas de reação da Lei e muitos os elementos que nela concorrem. Nosso julgamento será tanto mais inoportuno, quanto mais tender a transformar-se em fácil condenação e a libertar-nos do dever da piedade e da ajuda. Não aproveitemos desgraças do próximo, só para nela ver justa punição da Lei, pois assim nós também nos tornaremos culpados. Recordemo-nos ainda de que se trata de afirmações gratuitas que, se são aplicações de princípios gerais correspondente à verdade, não oferecem em cada caso particular, nenhuma possibilidade de controle, e, portanto, podem ser puro trabalho de fantasia. Ninguém pode dizer com segurança que aquelas culpas com que explicamos as dores de alguém, tenham sido de fato por ele cometidas.

 

Entretanto, não se pode desconhecer o bem que faz essa teoria a qual, de forma mais convincente que a das penas eternas, mostra de modo prático e próximo a nós como tudo se paga neste mesmo mundo, com as dores que conhecemos, explicando- nos a presença dessas dores entre nós com uma exata proporção ao mal cometido, com lógico reverso de posições como um instintivo sentido de justiça nos diz que deve ser. Assim, o pagamento do erro se faz de forma tal que todos possam ver em ação, na vida prática, bem como em forma específica e estritamente pessoal. Só assim podem explicar, de acordo com a justiça de Deus, tantas injustiças aparentes; e dessa forma resulta a dor como guindada à função benigna de escola e de prova imposta por um Deus bom, só para nosso bem. É este o único modo de poder conciliar o fato de tantas vidas desgraçadas, com a bondade e justiça de Deus. Os outros sistemas não resolvem o problema e, deixando-o envolto em mistério, tendem infelizmente a levar quem queira um pouco indagar e raciocinar, a tristemente concluir com o absurdo da maldade ou, pelo menos, da insapiência do Criador. Ora, não podemos negar que, por mais que se queira fugir da lógica no terreno religioso, esta tenha grande importância, tanta em si mesma como prova, quanto como elemento persuasivo e tranquilizador que permite aceitar os fatos, especialmente os mais duros para nós, com mais clareza e convicção e portanto com maior sentido de obediência. E a teoria da reencarnação, não há que negar, corresponde à lógica perfeita, em que cada elemento é enquadrado na forma mais simples e persuasiva. Deus é lógico, opera logicamente, e o universo é uma construção lógica, um organismo racionalmente funcionando. Tudo o que se coaduna com esta qualidade fundamental do sistema tem, pois, probabilidade imensamente maior de ser verdadeiro, isto é, correspondente à realidade. A teoria do inferno eterno, considerada sem paixão, com a finalidade de não concluir a favor de uma religião ou de outra, mas apenas de conhecer a verdade, não se sustém diante da teoria reencarnacionista, ainda que possa ser explicada como um terrorismo psicológico, produto de tempos ferozes, necessário para gente feroz. O inferno nasceu das trevas da longa noite medieval, bem explicável, dada a dureza dos tempos, como forma de psicose coletiva que invadira todas as manifestações da vida, e portanto também da religião.

 

Mas há outros fatos. A teoria da reencarnação está em harmonia com as leis da natureza que conhecemos, como a indestrutibilidade da substância, pela qual, se as mudanças se operam só na forma, a personalidade humana poderá mudar, mas não ser destruída. Essa teoria é a ampliação, no campo moral, da lei de conservação da energia, estabelecida pelos físicos. Enfim, só essa doutrina se coaduna com o que poderíamos chamar de hábitos fenomênicos do universo. Este costuma funcionar por ciclos e retornos, e nunca por bruscas inovações, muito menos por formação imediata de elementos novos, mas só por lenta transformação dos já existentes. Tudo só irá nascer de uma precedente forma diversa, em que   ex-novo – do desconhecido já existia. Essa idéia da criação do nada e “ex-novo”, seja para a alma como para qualquer outra individuação do ser, representa tão flagrante contradição com tudo o que normalmente acontece de fato e constituiria, na soberana ordem do universo, uma tão estridente desordem, que na lógica do sistema, nos apareceria como um absurdo. Se a estrutura do existir, em nosso universo, repete sempre o modelo central ou tipo, dado pela unidade interiormente cindida em dualismo, e portanto o ser não é concebível senão em função de seu contrário, o não-ser; se tudo volta e torna a voltar e nasce dessa sua volta; se tudo é cíclico, como poderia o existir, que é sempre bi-polar, mesmo no caso da pessoa humana, ser manco ou falho, só metade, sem a outra metade inversa e complementar, única que a pode tornar completa?

 

Quebra-se assim o equilíbrio e a própria continuidade fenomênica, que é um fato fundamental da nossa cotidiana experiência. Só o fenômeno da vida humana, só esse, iria de encontro à corrente seguida por todos demais fenômenos, e nos apareceria assim desconexo deles, como desligado do fenômeno semelhante da vida de todos os outros seres que, não se sabe a razão, sendo igualmente vida, seriam regidos por lei diversa. Não haveria neles um princípio espiritual. Mas sem a indestrutibilidade e eternidade deste, para todos, que centro conservaria as experiências da vida, onde acumularia o patrimônio dos instintos e qualidades adquiridas, como seria possível o aperfeiçoamento longo e lento que constitui a evolução? Como pode um inseto evoluir com uma vida de apenas poucos meses? Que pode ele aprender e registrar? E no entanto, vemo-lo nascer com uma sabedoria sua, que é suficiente para resolver todos os problemas da sua vida. Como pode um homem, numa vida com a máxima média de 80 anos, aprender toda a sabedoria, exaurir todas as experiências, adquirir méritos ou deméritos da tal envergadura e valor, para produzir conseqüências eternas? Mas o nosso universo é um organismo de impulsos e movimentos proporcionados. Uma causa tão minúscula não pode produzir efeitos tão gigantescos, um átimo de vida vivida, muitas vezes sem compreensão alguma, pode produzir conseqüências irreparáveis e definitivas. Em outros termos, não há unidade de medida que, ao mesmo tempo, possa servir par medir o finito e o infinito. Como se vê, se abolirmos a teoria da reencarnação, demoliremos todo o sistema construtivo da evolução, e tudo rui no absurdo, ao invés de formar um organismo lógico.

 

Como Einstein pôde só com processos de lógica matemática, atingir conclusões que depois a observação e a experiência confirmaram, assim podemos apenas pelos processos da lógica e do raciocínio, chegar a demonstrar uma verdade da teoria da reencarnação, à espera que a observação e a experiência confirmem nossas conclusões, mesmo se hoje não for isto possível faltando à ciência  meios positivos para dominar e penetrar tais fenômenos. Entretanto, acontece um fato importante: a teoria da reencarnação sai do terreno empírico das religiões e da fé, para entrar no positivo da ciência. A demonstração racional é o primeiro passo, o controle experimental será o segundo. Por controle experimental, entendemos métodos de observação positiva, cientificamente exatos, submetidos a controle severo, apenas possíveis quando as ciências psicológicas e sobretudo das radiações estiverem mais desenvolvidas. Aqui podemos apenas dar o primeiro passo, mas este é suficiente para indicar em que direção deverá dar-se o segundo. O atual método fideístico é útil e necessário para as massas apenas pelos processos de lógica e raciocínio, merece pois o nosso máximo respeito. A fé não é suficiente, porém, para explicar e impor ao mundo essa teoria, o que só pode fazer com a demonstração e a experiência, isto é, com os meios da ciência positiva, aceita por todos.

 

A teoria da evolução, em que se baseia o sistema das duas Obras que estou escrevendo, teoria que o mundo admite, implica a conservação dos valores que o ser adquire, através da experiência da vida. Vive-se para aprender e só o aprender valoriza o viver. Ora, diz-nos a lógica que, sem reencarnação, a conservação dos maiores valores da vida é impossível, porque lhes falta o fio condutor da evolução. Então, sem reencarnação, perderia o sistema do universo todo o poder de recuperação, para corrigir sua imperfeição e voltar à perfeição, e a dor seria um tormento sem sentido, nem escopo útil. Ora, não é possível tão flagrante contradição, logo no centro de um sistema que sabemos ser lógico e estritamente utilitário. É absurdo que ele, em seu ponto mais vital, renegue seus princípios fundamentais. Herdar todo o passado, sem que nada se perca de tudo o que se viveu, sem que nada se desperdice desse trabalho fundamental ao qual foi confiada a reconstrução do eu, é essa uma necessidade absoluta e insuprimível, porque sem ela não desaba uma religião, uma filosofia, ou um grupo humano que lhes está conexo, mas desaba a lógica de todo o universo.

 

Estudamos o problema da hereditariedade no fim do volume “A Nova Civilização do Terceiro Milênio”. Vimos (cap. XXVII e XXVIII sobre a “Personalidade humana”) que há dois tipos de registro, o recente e o atávico, o novo e o velho, isto é, o que nos fazemos e o que fizeram nossos ancestrais. Vimos que tudo se transmite, sem que a evolução não poderia dar-se. Vimos que duas são as forças de hereditariedade que funcionam como canais de transmissão, ou seja, que ao lado da hereditariedade fisiológica (pais-filhos) há uma hereditariedade espiritual própria, individual. Dois são, portanto, os caminhos aptos a transmissão dos resultados das anteriores experiências: um caminho para as do corpo, transmitidas através da carne, e outro para as do espírito, transmitidas através da alma. “O que nasce da carne é carne, mas o que nasce do espírito é espírito” (João, 3:6). Assim, o nosso ser que nasce, traz consigo não só uma memória biológica, que guia a reconstrução do organismo, repetindo sus história celular continuada através da hereditariedade fisiológica, mas também um destino, que é conseqüência do passado pessoal de cada um, por ele semeado antes livremente e que agora o acompanha em forma de determinismo fatal, transmitindo tudo isso através de uma paralela hereditariedade espiritual. Este último conceito está desenvolvido no cap. XXIV “Nosso destino livre”, do mesmo volume citado: “A Nova Civilização do Terceiro Milênio”.

 

Então, duas formas de continuidade: a biológica e a espiritual. A primeira para continuar a estrutura atávica, o tipo biológico já construído, ainda que a ele acrescentado contínuos aperfeiçoamentos. A segunda para continuar, não no plano biológico, mas no espiritual e moral, o desenvolvimento do próprio tipo de personalidade, de acordo com as premissas já colocadas, a este trazendo novos aperfeiçoamentos. Achamo-nos sempre, nos dois planos, diante do mesmo fenômeno, pelo qual é sempre o passado que preside ao desenvolvimento presente e futuro (Lei de causalidade). Deste modo, cada novo indivíduo nasce com seu destino biológico, conseqüência de seu passado biológico vivido na carne dos pais; e com seu destino espiritual, conseqüência de seu passado espiritual, pessoalmente vivido por sua alma. Dois destinos necessariamente sintonizados pela escolha (consciente ou inconsciente) feita pelo espírito ao reencarnar-se, dois destinos influenciando-se reciprocamente em seu desenvolvimento harmonizados, que se fundem, enquanto dura a vida na Terra, num só destino. Poder-se-ia chamá-lo um composto, um complexo físico- espiritual, de que depende o período de vida que o ser percorre em nosso mundo.

 

O primeiro germe destes conceitos está na “Grande Síntese” (“Instintos e Automatismos”) e, em muitos outros pontos dos volumes que se seguiram, foram controlados e desenvolvidos em harmonia com o sistema. Pode o leitor achá-los por si, quase a cada passo da Obra. Trata-se aqui apenas de restringir as fileiras convergentes para as soluções finais neste capítulo; trata-se de puxar as redes para concluir. Foram esses problemas tratados lá separadamente e diversamente enquadrados, em relação a outros pontos de referência e para alcançar outras conclusões. Mas os observamos agora, aqui, em síntese, para deles fazer a plataforma destas conclusões em favor da teoria da reencarnação. Era mister ter concluído esse longo caminho através de tantos meandros da fenomenologia universal, para ter agora pronta, em mãos, já alcançada, a solução de tantos problemas menores e mais particulares, sobre os quais, nesta fase de síntese, não é mais possível determo-nos. Só agora, nesta última fase, é possível pôr de acordo as soluções particulares, fazendo-as convergir para uma solução única, que, a uma voz, constituída de muitas vozes diversas e concordantes, de todos os lados nos repete: reencarnação. Para destruir esta teoria, mister seria demolir muitas conclusões já conseguidas, anular muitas soluções que nos satisfizeram e persuadiram. Trabalho longo, mas só assim podemos chegar às afirmações definitivas, bem como couraçados por observações, experiência, soluções e conclusões, apoiadas em sólidas bases que difícil será abalar, porque seria preciso destruir um sistema completo, que se demonstrou lógico e satisfatório, porque resolve sem deixar resíduos os fundamentais problemas do conhecimento. Aqui, a reencarnação não é apresentada como fenômeno isolado que se propõe e se resolve desligado e independente dos outros. Esta teoria aqui se apresenta, não avulsa, mas em conexão com toda fenomenologia universal; não como coisa per si, mas como pedra incrustada no edifício do universo, o qual sem ela ruiria; não como um corpo separado funcionando por si, mas como um órgão tão vital, que sem ele o grande organismo do todo não pode funcionar.

 

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Mas focalizemos de novo, em particular, o problema da reencarnação. Só esta teoria nos deixa aberto o canal de transmissão dos resultados da experiência da vida. Totalmente insuficiente é a hereditariedade fisiológica para os filhos que nascem, sobretudo quando os pais são ainda jovens, e portanto possuem quantidade mínima de experiência a transmitir. Para que pudesse ser transmitida aos filhos, ao menos a maior parte dela, seria indispensável que os pais gerassem em avançada idade, quase no fim de suas vidas. Ao contrário, a reprodução é confiada aos jovens, mais aptos materialmente, e menos maduros espiritualmente. A hereditariedade fisiológica não pode, pois, ser o caminho para a transmissão das qualidades intelectuais e morais que são as mais importantes. Deve então haver outro caminho que não possibilita a perda de nenhuma experiência.

 

Outra objeção surge. Rebela-se nossa mente ao conceito que a personalidade do filho deva estar exclusivamente dependente da personalidade dos pais, sofrendo-lhes as conseqüências de alegria ou dor, submetidos a causas estranhas a seus próprios atos, e igualmente injustas por que não merecidas. Que um fato de tal monta, com cargo de responsabilidades e conseqüências como um destino de alegrias e dores, deva depender do capricho de dois seres que geram quando querem; que um fato tão vital e importante tenha que derivar da vontade às vezes de inconscientes; que o próprio Deus deva permanecer à disposição destes para realizar a criação de uma alma adequada, no momento por eles escolhido; tudo isto representa tal contradição e absurdo na ordem do universo, que se torna inconcebível, para quem dele tenha compreendido um pouco o perfeito funcionamento. Rebela-se a mente à idéia de poder alguém pagar por culpas não exclusivamente suas. Revolta-se totalmente o senso instintivo de justiça se tiver que admitir que o nascer em determinado ambiente, receber nele determinada educação, ter de assumir o tipo biológico e a carne, sadia ou enferma dos pais, com os instintos anexos, bons ou maus, o ter de herdar condições de vida em que se baseará o nosso destino, revolta-nos a alma ter que admitir que tudo isso seja devido ao acaso, e esteja na dependência da escolha sexual e do capricho dos pais, isto é, nas condições produzidas por outros e não estritamente nossas, pessoais. Não podemos acreditar nisto; o admiti-lo nos choca e ofende, porque de tudo isto pode resultar uma existência de alegria ou de dor, que nos pode tornar satisfeitos ou fazermos odiar a vida até ao desespero. Não se pode ficar agnóstico e indiferente diante da primeira fonte de nosso destino. E não podemos ficar persuadidos dos fatos gravíssimos que disto resultam, e portanto aceitá-los, se não virmos que dessa fonte tudo nasce com lógica e justiça. Não sendo assim, a consciência dará razão ao instinto de revolta, acrescentando às tristes condições de fato, o inferno na alma. Então, no caso dos filhos destinados apenas aos delitos, às doenças, à dor, eles teriam o direito de amaldiçoar quem lhes deu uma vida triste, não pedida. Então a união para gerar poderia antes aparecer como a associação de dois seres egoístas, que, por seu exclusivo prazer, podem impunemente cometer um delito em dano a um terceiro, o filho incapaz de defender-se. E a lógica dos fatos autorizaria esta maldição a dirigir-se até Deus, pois que ninguém saberia justificá-lo pelo fato de uma criação de almas tão diferentes e em tão diversas condições, quando a justiça exigiria que almas novas fossem criadas todas iguais e ao menos assim o fosse ao nascer.

 

No sistema  reencarnacionista o eu é uma individuação eterna, personalidade em formação pela evolução, única responsável diante da Lei; personalidade que colhe em bem ou mal, sob a forma de destino, o que ela quis livremente semear. Só assim a ninguém se pode culpar, e em cada caso apenas aceitar e bater no peito, até alegando-se mesmo, porque corrigido o erro e aprendida a lição com a prova, tudo se restabelece, na ordem que foi violada e na alegria ansiada. Assim a mente compreende, e quem compreendeu pode aceitar melhor e saber sofrer, sem culpar a outros, mas apenas a si mesmo; pode, suportando melhor, adaptar-se à sua dura posição de dor, quando sabe a função corretiva desta. As idéias de punição e vingança excitam a revolta contra Deus, que então aparece egoísta e injusto. Na realidade, todos nós somos filhos apenas de nós mesmos, e nossa posição presente é conseqüência fatal de nosso passado livre. Os pais nos dão o corpo físico, da mesma natureza que os seus, mas não a alma. Só nosso corpo de carne é filho de sua carne; nosso espírito, porém, é filho apenas de suas próprias obras. É o nosso eu que escolhe em que ambiente nascer e, se o não sabe ainda fazer, é nisto guiado pelas sábias forças da vida. É evidente a todos que as crianças têm uma personalidade sua própria desde pequenos. Esta, desde o início, é bem definida, de modo que a seguir, mesmo delineando-se melhor nos particulares, continua idêntica e irremovível em suas notas fundamentais. É assim que o gênio não se transmite, porque não é filho dos pais. É assim que entre irmãos, se há semelhanças exteriores, as personalidades são inconfundíveis, e com freqüência são diferentíssimas. E se há afinidade entre pais e filhos, esta é dada pelo corpo, resulta do ambiente comum, mas sobretudo da necessidade de que as almas sejam afins, para que uma possa avizinhar-se tanto da outra, que chegue a vestir-se com a mesma carne. Para revestir-se com uma carne da mesma natureza, é necessária uma sintonização espiritual. Assim se explica também, ainda que isto nem sempre se verifique, certa nota espiritual semelhante entre pais e filhos.

 

As observações em favor da tese reencarnacionista são muitas, porque com ela tudo se explica, sem ela se confunde tudo. Se só houvesse o canal da hereditariedade fisiológica, depois de passada a época da reprodução, que significado experimental teria a vida no sentido da evolução? Nenhum. Seria tempo perdido. Aprender-se-ia uma lição toda terrestre, em função da vida física, para usufruir um ócio eterno num mundo espiritual, sem corpo e sem a nossa matéria, em um ambiente em que não se compreende como poderiam ser utilizadas essas qualidades. Como pode uma experiência todo material servir de escola a fim de preparar-se para uma vida totalmente espiritual? Quando somos jovens temos força, mas não a experiência. Quando somos velhos, temos a experiência, mas a força e a vida desaparecem. É verdade que os jovens, vivendo, usam a força para transformá-la em experiência. Mas essa experiência não é usada na terra, porque sobrevêm a morte; não se transmite aos filhos porque nascidos há muito tempo; e, nos ambientes não terrestres, é de uso difícil. Para que serviria então este conhecimento terreno específico, se não se regressasse à terra, onde somente aí, pode ele ser usado? E com efeito vemos nascerem pessoas com qualidades inatas, atitudes instintivas de caráter nitidamente humano, que só podem explicar-se como resultado de um trabalho terreno precedente de construção. Não há outro modo de explicar-se isto, num universo em que nada se cria e nada se destrói.

 

Mas com isto são explicados também outros fatos. Sem a reencarnação, a vida dos solteiros estaria perdida para a evolução. Se a continuação do processo evolutivo fosse confiada somente à hereditariedade fisiológica, a vontade de qualquer um em permanecer celibatário teria o poder de intervir no coração da Lei e paralisá-la em seu processo mais substancial. A teoria da criação da alma no nascimento é estritamente individualista e ignora o importantíssimo aspecto coletivo da vida, que considera cada um como uma célula de organismos étnicos muito mais vastos. Permaneceria ainda o mistério dos que morrem crianças. Com a teoria reencarnacionista, não representa isto, senão uma tentativa, sem êxito apenas na carne, mas que o espírito pode recomeçar sempre com melhores resultados, para prosseguir sua evolução, e talvez até de modo mais eficiente, após haver superado isto, que pode ter sido uma prova ou nova experiência. Mas, com a teoria da criação no nascimento e da vida única, que significado teria uma vida, sem tempo de fazer experiências, e com que direito pode ela pretender o mesmo paraíso que os outros devem conquistar duramente, com uma vida de renúncias e dores?

 

Se a evolução só atuasse pelo canal da hereditariedade fisiológica, então o gênio, o super-homem, que são valores biológicos maiores, deveriam ser os mais prolíficos. E ao contrário, quanto mais é evoluído o ser, menos tende a reproduzir-se. Quer então a vida perder seus maiores valores? Não. Na realidade esses valores se transmitem por outros canais, os da hereditariedade espiritual. E assim se explica como gênios e super-homens renasçam sem seguir os caminhos da hereditariedade fisiológica. Se não houvesse reencarnação, quanto mais fosse evoluído o indivíduo, mais facilmente se perderia como valor biológico, tendendo a desaparecer da raça humana. Contradições e absurdos, que a lógica da vida não pode conter. Ao contrário, quem dá tudo de si, colherá o que semeou e como o tenha semeado e, através de suas experiências, poder enriquecer a si e aos outros. Nosso planeta é o terreno que devemos cultivar, e conforme queiramos fazê-lo um deserto ou um jardim, aqui morreremos dilacerados ou repousaremos felizes, como resultado daquilo que quisemos fazer.

 

A consciência e o conhecimento instintivo com que nascemos, não é uma característica nossa, genérica, igual para todos, mas é um conjunto de qualidades específicas, diferentes de indivíduo para indivíduo, do qual formam o caráter particular e a personalidade. Essas qualidades, pelo fato de se apresentarem aptas e proporcionadas ao ambiente terrestre, onde deve justamente usá-las o homem, demonstram um conhecimento específico das condições deste ambiente. Daí deduziremos que devem ter sido aí formadas e não alhures, isto é, serem frutos de uma experiência terrestre. Certo, sem dúvida, que não é no céu que essas atitudes de índole prevalentemente material, quase todas em função e dependentes da vida física, se podem haver formado. O espírito que guia os primeiros atos da criança, demonstra saber retomar o caminho da vida material, dando provas de ter um conhecimento já adquirido e possuído. Aderente às suas condições físicas terrestres, conhecimento nada metafísico, que possa fazer pensar numa direta e imediata filiação do mundo altíssimo do Absoluto divino. Esta poderá revelar-se mais tarde, mas só em proporção ao grau de evolução atingido, isto é, do caminho já percorrido ou da maturidade elaborada através de longuíssima série de experiências. Poderá revelar-se mais tarde, mas só em proporção ao trecho de subida que o ser soube realizar, para Deus, com o esforço próprio pessoal evolutivo de redenção. Revelar-se-á, pois em graus diversos e para os involuídos, não se revelará em absoluto; revelar-se-á como resultado de uma conquista própria e laboriosa, em diferentes proporções de acordo com esta, e não como um dom gratuito de Deus, dom que, então, a justiça quereria que fosse igual e, mesmo que tarde, se manifestasse para todos igual.

 

É evidente que a alma que se encontra na Terra demonstra, por suas atitudes, que provém de uma experiência terrestre e não celeste. Os meninos, guiados por um instinto de luta, são turbulentos, audaciosos, levados a brincar com armas (conquista violenta). As meninas, levadas pelo instinto materno, são tranqüilas, afetuosas, inclinadas a brincar com bonecas (cuidado dos filhos). E estas são qualidades da personalidade, não do corpo físico. As almas são diferenciadas segundo tipos diversos, e demonstram conhecer e saber aplicar as fundamentais leis biológicas, isto é, a luta pela seleção do mais forte e a reprodução e defesa da vida. A alma aparece na Terra como uma entidade fundida com a realidade biológica, e não como um produto abstrato metafísico. Dizem que as almas não tem sexo, e isto é verdadeiro no sentido terreno, mas possuem as qualidades que depois, na Terra, formam o substrato próprio ao biótipo de um sexo ou do outro. Assim, no espírito macho dominará o instinto de domínio, a inteligência, a vontade; no espírito feminino a obediência, a intuição, o amor. As qualidades fundamentais que depois formarão o biótipo masculino ou feminino, estão antes de tudo na alma que, embora não tenha sexo, dele possui os elementos basilares. Vemos assim na Terra almas do tipo masculino encarnadas em corpos sexualmente masculinos, da mesma forma que em corpos sexualmente femininos: e ao contrário, almas do tipo feminino, encarnadas em corpos sexualmente femininos, como também em corpos sexualmente masculinos. E tudo isto, permanecendo na normalidade, sem que implique de modo algum inversão sexual; mostra-nos isto que a personalidade espiritual é independente da veste orgânica que vem assumir no corpo. Um espírito dotado de qualidades viris assim permanece, qualquer que seja o tipo de corpo que para si escolha, e assim para um espírito dotado de qualidades femininas, mesmo mantendo-se eles no âmbito da normalidade sexual, de acordo com o tipo masculino ou feminino de seu corpo. Tudo isto é explicável e compreensível, porque a evolução tende à unificação da unidade quebrada no dualismo universal, e neste caso à formação de um biótipo completo, em que se refundam as duas metades, macho e fêmea. Para atingir essa reunificação, ambos os biótipos espirituais, com as qualidades masculinas e femininas precisam atravessar todas as experiências, tanto do próprio tipo sexual como do oposto, pois só assim, somando-se e completando mutuamente suas complementações. Podem fundir-se e assim formar o biótipo completo, em que coexistem todas as qualidades do ser, e daí a cisão, devida à queda do sistema, pode resultar sanada.

 

Não se pode negar, e no-lo mostra a observação, que cada alma, encarnando-se na Terra, traz consigo como um feixe de impulsos seus, que depois obrigarão sua vida terrena a tomar esta ou aquela direção. Quantos acontecimentos em nossa vida tendem a realizar-se como por força própria, impondo-se, à nossa própria vontade; e quantos, por mais que façamos, jamais conseguiremos traduzí- los em realidade! Vemos pois que a alma encarnando-se, traz consigo um destino específico, seu particular, que será como o roteiro no qual tenderá a realizar sua vida. Sem dúvida, se o futuro é sempre livre, o passado nele marcou pontos fixos, de passagem obrigatória, dos quais se não pode fugir. E isto continua verdadeiro, ainda que o cinzento dominante na maior parte dos destinos, constituídos de pequenas coisas, o torne menos visível. Mostra tudo isso que, quando nasce o homem, já foram colocadas diante de sua vida premissas que depois é difícil abalar. Se isto é um fato de observação, o senso da justiça diz-nos que essas premissas devem ter sido postas por ele mesmo. Essas premissas, partindo de seu primeiro estado espiritual, depois dinâmico, chegam em forma imponderável ao estado de impulso ou força, e materializam-se nas condições concretas de ambiente, constituição física etc., que formarão o tipo de cenário em que a alma viverá sua vida, isto é, o terreno sobre o qual se desenrolará sua vida.

 

Em tais bases se eleva a obra de construção do edifício espiritual, representado pelo desenvolvimento de uma vida. A cada indivíduo está reservado um tipo particular de experiência, cuja explicação e justificação se contém toda nas supras citadas premissas à sua vida. São suas as premissas, suas são as atuais conseqüências. Cada vida é um elo de uma longa cadeia de vidas. Estas vidas, reciprocamente, se completam, se explicam e só se justificam, se vistas todas reunidas em conjunto. Isto porque a obra de construção do edifício espiritual, representado pelo desenvolvimento de uma vida, é só um momento da obra de construção de um mais vasto edifício espiritual, representado pelo regresso da alma a Deus. É assim que só em sentido evolucionista e reencarnacionista se pode compreender o significado da vida, de uma de nossas vidas, enquadrada assim no plano do “tornar-se” universal. Solto da cadeia, cada um dos elos muito pouco nos diz, permanece um caminho fracionado e manco, de que não podemos ver o desenvolvimento, a proveniência e a meta na eternidade. Mas fundido na cadeia, nossa breve vida assume insuspeitados significados profundos, expande-se até os mais longínquos horizontes, potencializa-se e se acresce de novos valores, porque essa vida é levada a contacto com suas mais longínquas origens e com suas maravilhosas conclusões, origens e conclusões até ao plano altíssimo do Absoluto e da Divindade.

 

Compreende-se, então, a íntima força espiritual que anima o fenômeno da evolução; compreende-se o progressivo revelar-se da divindade sepultada, pela queda, no profundo do ser, e lentamente acordada pelo choque das provas e da dor. Vemos então a substância do fenômeno evolutivo, dentro da forma que ele anima; vemos o princípio espiritual reger essa forma em cada plano do ser, desde a pedra até o super-homem; e compreendemos que nada pode existir, senão enquanto for animado por uma centelha proveniente de Deus. Mas se desça, porém, na escala da evolução, mais este princípio é aprisionado, encapsulado, escondido na materialidade. E quando mais se sobe nessa escala, mais se liberta esse princípio e se revela na espiritualidade. Nossas crianças têm o sentido do bem e do mal, compreendem no plano ético conceitos incompreensíveis aos selvagens que, amorais, vão direto à satisfação de suas necessidades e desejos, ignaros desse mundo mais alto. Vemos como, com o progresso da civilização, a alma humana vai sempre se enriquecendo de qualidades. De que nasce, pois, o progresso, e como pode explicar-se sua contínua ascensão com o tempo, se não como efeito das experiências da vida e do acumular-se de seus resultados úteis? Temos sob os olhos muitos fatos concomitantes: o desenvolver-se de muitas vidas no tempo, o progresso das civilizações, o desenvolvimento da consciência, o enriquecimento do espírito com tantas novas qualidades. Sem a reencarnação, permanecem desconexos esses fatos, sem significado e sem explicação. Com essa teoria ficam explicados, integram-se e convergem harmonicamente para a própria solução.

 

Só com essa concepção é possível admitir-se a salvação de todos, porque há, com abundância, tempo para realizar experiências de todo o gênero. Ao invés, agora com a teoria do inferno, parte dos seres já teria ido formar definitivamente o núcleo da revolta eterna, isto é, o tumor canceroso que para sempre manchará a obra da criação, tornando assim definitivamente vã e imperfeita a obra de Deus. Não podemos absolutamente admitir o absurdo representado por uma tal falência. Não. Só com a teoria da reencarnação poderemos explicar-nos tudo e tudo aceitar, porque corresponde à justiça, ou seja: as particulares condições de ambiente, de qualidades físicas e espirituais como que vimos no mundo, o modo particular com que para cada um de nós, a seguir se desenvolve a vida. É inútil negá-lo. Dissemos acima que há acontecimentos , em nossa existência, que querem acontecer, sejam alegres ou dolorosos, e acontecimentos que não querem verificar-se e, se acontecem, é só a seu modo, contra nossa vontade. Há um destino mais forte que nós. Quem o fez, quem o guia? Colocarmos Deus, caso por caso, ilogicamente, sem finalidade a nós conhecida, amarrando nosso livre arbítrio e assim tornando-nos irresponsáveis? Que nem sempre somos livres, é um fato. E como poderemos ser responsáveis e portanto dever pagar as conseqüências, se não somos livres? Não podemos admitir que seja Deus que nos amarre, mas somente que fomos nós, com o nosso passado; de forma que, se agora não somos livres, somos igualmente responsáveis, porque somos nós mesmos que quisemos reduzir- nos à escravidão, amarrando-nos às conseqüências de nossas ações. Nossas obras  nos acompanham. Só assim, quando o destino nos golpeia, não poderemos culpar senão a nós mesmos; ao invés de amaldiçoar, só poderemos agradecer a Deus que nos corrige, pedindo-lhe que nos ajude a corrigir-nos. Só assim não pode a mente lançar a culpa em Deus, pois assim excluímos que Ele opere por arbitrariedade, mas ao contrário, como exige Sua perfeição, mediante apenas a lógica, a justiça e a bondade. As conseqüências morais da reencarnação nos falam de Sua verdade e bondade.

 

Um caso clássico, em que se aplicam os supracitados conceitos, é o de Judas. Como complemento necessário da descida, vida e missão de Cristo, era indispensável a Sua paixão, de que dependia a redenção da humanidade. Sua morte na Cruz fazia parte da lógica do seu sistema, baseado no Amor e no Sacrifício. Todos os acontecimentos que condicionaram essa paixão, inclusive a traição de Judas, deviam pois ter um caráter de fatalidade. É bem verdade que a traição podia ter  sido cometida por outro, e podiam os sacerdotes achar outro meio para apoderar- se de Cristo. Mas isto não impedia que alguém tivesse que prender, condenar, matar Cristo sem o que não podia verificar-se a paixão. Em todo o caso, não se pode excluir, pois que houvesse um predestinado, incumbido de cumprir essa parte, necessária no drama sem a qual a missão não se teria podido realizar. Ora, se ele era predestinado e sua ação era fatal, ele não era livre; e se não era livre, como poderia ser responsável, e portanto considerado culpado?

 

Mas ainda há mais. As profecias já tudo haviam predito como deveria isto ocorrer, mesmo em suas modalidades. O Evangelho de São Mateus, explica.  “Como pois se cumpririam as Escrituras, que dizem assim deve suceder? . . .” “Mas tudo isso aconteceu, a fim de que as Escrituras dos profetas se cumprissem”. E isto tudo a propósito do beijo de Judas e da prisão de Cristo. Pouco depois acrescenta: “Assim se cumpre o que foi anunciado pelo profeta, que disse “e apanharam trinta moedas de prata preço daquele que foi vendido. . .”. Por sua vez confirma-o São Marcos em seu Evangelho: “Certamente vai embora o Filho do Homem, como dele foi escrito mas ai do homem, pela qual é traído o Filho do Homem! Melhor lhe fora jamais ter nascido”, em primeiro lugar, não podemos deixar de observar aquele “jamais ter nascido”, que dá impressão de um ato escolhido e querido pelo próprio sujeito, que o teria podido evitar. Sem a reencarnação, Cristo com essas palavras só poderia ter  expresso: seria melhor que Deus não tivesse criado este. Ora, é inconcebível que Deus tenha errado, pensar que teria podido fazer melhor agindo de outra forma, e que Cristo tenha salientado esse erro.

 

As profecias, pois, dizem tudo com precisão. Fica claro, dos textos citados, que qualquer que fosse o homem chamado para entregar  o Cristo, já devia existir um predestinado para isso e já sobre a sua cabeça pesava “a priori” essa condenação. Ora, como pode ser considerado  responsável, culpável e punível um ser que, sendo criado por Deus, não podia deixar de nascer, um ser cuja ação, de uma ou de outra forma, era indispensável à realização  da paixão de Cristo, e cuja traição, já tendo sido profetizada, era um ato inevitável? O verdadeiro culpado, então, teria sido Deus que, mesmo sabendo tudo, e sem deixar-lhe a liberdade alguma, havia criado e feito nascer um predestinado a esse ato.

 

Sem a teoria da reencarnação o emaranhado das contradições permanece inexplicável. Limitamo-nos a explicar este caso, sem citar – o que já foi por outros feito cabalmente – muitos outros pontos em que só se pode compreender o Evangelho no sentido da reencarnação, à qual aí se alude claramente. O problema é este: como conciliar a atual falta de liberdade, fato evidente ao menos naquela vida de Judas, com sua culpabilidade? Como pode julgar-se passível de condenação e portanto de castigo, um ser que não pode escolher? E se a primeira qualidade do espírito é a liberdade, como esta terá sido tirada a Judas? E isto só para que desse fato surgisse sua perdição? Temos aqui um fato indiscutível, ou seja, um traidor inelutavelmente condenado antecipadamente, para ser amaldiçoado pelo mundo e condenado pelo céu. Se esse conceito de culpável por predestinação repugna a todo senso de justiça, é absurdo de outro lado o livre arbítrio num ser como Judas, ou de qualquer outro no mesmo caso, a quem fosse entregue em mãos o poder de, com sua escolha, desmentir as profecias e paralisar o desenvolvimento da paixão de Cristo. Havia, pois, um homem irremediavelmente lançado para a traição e depois para seu desesperado suicídio, sem escapatória para ele. Neste caso então, teria sido ele vítima maior porque inocente, sacrificada até seu último opróbrio, e perdição eterna, para triunfo final de Cristo.

 

Só com a teoria da reencarnação se resolve tudo. Sem dúvida, o ato de traição de Judas foi fatal, e Cristo sabia que podia com certeza com ele contar. Mas a liberdade se coagulou e fixou, ligando-se em forma de fatalidade, só no último momento, isto é, quando essa foi necessária. Derivava ela de todo o seu passado, fora longa e livremente preparada nas vidas precedentes. Nestas, Judas quis espontaneamente constituir-se traidor, isto é, quis escolher, entre as qualidades boas ou más, estas últimas; com repetidos pensamentos e ações, ele as absorvera e fixara em seu biótipo, de modo que não podia mais mudar-se, ao menos no momento. Quando viveu ao lado de Cristo, já se havia ele de tal forma irremediavelmente enredado nesse modo de pensar e viver, que lhe não restava mais possibilidade de escolha. Tudo era fatal, pois,  mas só naquele momento. Fora livre, precedentemente, portanto permanecia intacta a responsabilidade e portanto a culpabilidade. Foi assim que Judas pôde tornar-se condenável. Cristo nada mais fez que escolher um homem já pronto para a sua função e admití-lo entre os apóstolos, para que, no momento propício, ele a realizasse. Mas, apesar de que no fim, lançado no caminho do mal, este não pudesse mais retirar-se, sua responsabilidade, que agora parecia desaparecer no determinismo, permanecia intacta, porquanto remontava a vida anteriores, em que ele mesmo criara em si essa personalidade e livremente se quisera amarrar a este destino. A culpa de Judas não foi tanto o beijo traidor, última conseqüência de um hábito de traições, quanto o ter querido adquirir esse hábito, que agora tinha no sangue e não se adquire num dia. Uma responsabilidade de tamanha gravidade, exigia uma culpabilidade proporcionada, profunda verdadeiramente merecida em plena consciência e liberdade. Por fim, ao lado de Cristo, já a obra de Judas foi automática. Quem sabe quantas traições já fizera e, com a última, pagou-as todas, como merecia.

 

É assim que a reencarnação nos explica como seja possível permanecer responsáveis e constrangidos a pagar. Isto porque, esta inexorabilidade é uma conseqüência inelutável do que nos mesmos preparamos no passado. As conseqüências, não mais podemos então fugir de modo permanecemos responsáveis, sem ser mais livres. O caso de Judas não é o único. O bem e o mal, no passado, amarra-nos a todos no presente. O destino de todos, na fase de efeito, é em certo pontos determinístico. Está assim resolvido o inexplicável o emaranhado das precedentes contradições. Eis como, só com a teoria da reencarnação, podem conciliar-se os dois extremos opostos: liberdade e responsabilidade de uma parte e fatalidade de outra. Assim tudo é simples e claro. Em cada caso, a evidência das soluções só pode confirmar-nos na verdade a teoria da reencarnação.

 

Continua na PARTE 2


[1] Conferência na Federação Espírita do Estado de São Paulo – 5 de Outubro de 1951

[2]UBALDI, Pietro. Deus e Universo

 
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